03/05/2017
'Não cabe a procurador pressionar o STF',
diz Mendes
Leia abaixo a íntegra do texto publicado
por Deltan Dallagnol
O procurador Deltan Dallagnol, que integra a força-tarefa
do Ministério Público Federal (MPF), responsável pela Operação Lava Jato,
classificou como "incoerente" a decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) de soltar o ex-ministro José Dirceu. Na tarde desta terça-feira (2), a segunda turma da Corte decidiu, por
3 votos a 2, conceder um habeas corpus ao político, que está
preso desde agosto de 2015.
A reclamação de Dallagnol foi
publicada nas redes sociais. Ele citou outros três casos de prisões preventivas
em que os três ministros que votaram a favor da saída de Dirceu, naquelas
oportunidades, foram contrários à saída dos réus. Desses casos, dois eram
denúncias de corrupção e outro de tráfico de drogas, em que o réu, segundo o
resumo descrito pelo procurador, foi detido pela polícia com cerca de 150
gramas de drogas, entre maconha e cocaína.
Os procuradores da força-tarefa
também foram alvos de críticas pelo ministro Gilmar Mendes, que classificou a
postura do grupo como "brincadeira quase juvenil".
Por sua vez, Dallagnol diz que Dirceu
foi tratado de forma diferente pelos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffolli
e Gilmar Mendes, que votaram a favor do habeas corpus. "Diz-se que o
tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande
corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à
violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em
estradas e pela pobreza. (...) Gostaria de poder entender o tratamento
diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima",
afirmou.
No texto, ele ainda disse que ficou
frustrado com a decisão do STF. "Confiamos na Justiça e, naturalmente, que
julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje,
contudo, essas esperanças foram frustradas", afirmou.
Por fim, Deltan
disse que a saída de Dirceu cria o receio de que outros réus já condenados na
Lava Jato possam ser soltos. Ele defendeu que todos esses réus representam
perigo real à sociedade. "A prisão é um remédio amargo, mas necessário,
para proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da
perigosa doença exposta pela Lava Jato", pontuou.
'Não cabe a procurador pressionar o STF',
diz Mendes
No voto em que decidiu pela soltura de José Dirceu, o
ministro Gilmar Mendes fez críticas à atuação dos procuradores da força-tarefa.
Nesta terça-feira, eles apresentaram à Justiça uma nova denúncia contra Dirceu. Na
coletiva de imprensa em que explicou aos jornalistas os motivos da denúncia,
Dallagnol disse que ela tinha como objetivo tentar influenciar o voto dos
ministros.
"Foi uma
brincadeira quase juvenil. São jovens que fazem esse tipo de brincadeira. Se
nós cedêssemos a esse tipo de pressão, o Supremo deixaria de ser Supremo. Não
cabe a procurador da República pressionar o STF, seja pela forma que quiser. É
preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito. Quando quebramos
isso, estamos semeando um viés autoritário. É preciso ter cuidado com esse tipo
de prática", afirmou Gilmar Mendes.
Leia abaixo a íntegra do texto publicado
por Deltan Dallagnol
A incoerente soltura de José
Dirceu pelo Supremo
O que mais chama a atenção,
hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que hoje
soltou José Dirceu – Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski – votaram para manter presas pessoas em situação de menor
gravidade, nos últimos seis meses.
A história de Delano Parente
O ex-prefeito Delano Parente
não teve a mesma sorte de José Dirceu. Ele foi acusado por corrupção, lavagem e
organização criminosa. São os mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor
vulto e por menos tempo. Foram 17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando
Dirceu é acusado do desvio de mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar
o Mensalão. O âmbito de influência de Delano era bem menor do que o de Dirceu.
Chefiou o pequeno Município de 8.618 habitantes do interior do Piauí, Redenção
do Gurgueia. Na data do julgamento no Supremo, em 7 de fevereiro de 2017, nem
mais prefeito era. Contudo, todos os integrantes da 2ª Turma entenderam que sua
prisão era inafastável. A decisão de prisão original estava assentada na
prática habitual e reiterada de crimes.
O Ministro Dias Toffoli
afirmou: “O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é
legítima a tutela cautelar que tenha por fim resguardar a ordem pública quando
evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de
integrantes de organização criminosa.”
A prisão de Thiago Poeta
Preso aparentemente há mais de
2 anos (mais tempo do que José Dirceu), Thiago Maurício Sá Pereira, conhecido
como “Thiago Poeta”, também não teve a sorte de Dirceu em julgamento de março
deste ano. Ele reiterou a prática de crimes de tráfico em diferentes lugares e
foi preso com 162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns
materiais que podem ser usados para manipular drogas. Sua pena foi menor do que
a de Dirceu, 17 anos e 6 meses – a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos,
sem contar a nova denúncia. Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos os
ministros da 2ª Turma votaram pela manutenção da prisão.
O Ministro Gilmar Mendes assim
se pronunciou: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de
ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública considerada a
gravidade concreta do crime”. E seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o
paciente custodiado durante a instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo
entendido por sua manutenção no cárcere, ao proferir sentença condenatória, em
razão da presença incólume dos requisitos previstos no art. 312 do CPP, não
deve ser revogada a prisão cautelar se não houver alteração fática apta a
autorizar-lhe a devolução do status libertatis .” Essas colocações também serviriam,
aparentemente em cheio, para manter José Dirceu preso, com a ressalva de que a
situação de Dirceu é mais grave.
O caso de Alef Saraiva
Alef Gustavo Silva Saraiva, réu
primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após
quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a
prisão foi mantida por quatro votos, ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão
da “gravidade do crime”.
O Ministro Ricardo Lewandowski
foi assertivo na necessidade de prisão de Alef: “Com efeito, há farta
jurisprudência desta Corte, em ambas as Turmas, no sentido de que a gravidade
in concreto do delito ante o modus operandi empregado e a quantidade de droga
apreendida - no caso, 130 invólucros plásticos e 59 microtubos de cocaína, pesando
um total de 87,90 gramas, e 3 invólucros plásticos de maconha, pesando um total
de 44,10 gramas (apreendidas juntamente com anotações referentes ao tráfico e
certa quantia em dinheiro), permitem concluir pela periculosidade social do
paciente e pela consequente presença dos requisitos autorizadores da prisão
cautelar elencados no art. 312 do CPP, em especial para garantia da ordem
pública.”
Conclusão
Diz-se que o tráfico de drogas
gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico
matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a
corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza.
Enquanto o tráfico ocupa territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o
Estado, disfarçando-se de uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de
quem deveria cuidar. A mudança do cenário, dos morros para gabinetes
requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção. Gostaria de poder
entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado
aos casos acima.
O Supremo Tribunal Federal é a
mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua esperança, assim
como os procuradores da Lava Jato. Confiamos na Justiça e, naturalmente, que
julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje,
contudo, essas esperanças foram frustradas. Mais ainda, fica um receio. Na Lava
Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde
abril de 2015, assim como João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de
2015. Os ex-Diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015.
Todos há mais tempo do que José Dirceu. Isso porque sua liberdade representa um
risco real à sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para
proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa
doença exposta pela Lava Jato.
Fontes dos casos: HCs 138.937
(Delano Parente), 139.585 (Thiago Poeta) e 135.393 (Alef Saraiva).
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