Melancólico o final da gestão Rodrigo Janot na Procuradoria Geral da República (PGR). A imagem dele sairá manchada pela provável anulação do maior acordo de delação premiada firmado na Operação Lava Jato, com executivos da JBS.

Nem as duas novas denúncias, por formação de quadrilha, contra integrantes do PT e do PP – incluindo os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff –, nem a esperada denúncia contra o presidente Michel Temer terão o poder de apagar a mancha em Janot.

O áudio da conversa entre o empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud é devastador. Gravado em 17 de março, dia em que foi deflagrada a Operação Carne Fraca, revela a estratégia ardilosa de Joesley para se livrar da cadeia e demonstra que ele tinha um informante na PGR enquanto negociavam a delação, o ainda procurador Marcelo Miller.

Miller foi um dos principais procuradores da Lava Jato na PGR. Negociou as delações de Sérgio Machado, Delcídio Amaral, Ricardo Pessôa e participou do início das tratativas com Odebrecht e OAS. Afastou-se da força-tarefa em julho de 2016 para voltar ao Rio de Janeiro.

Passou a procurar uma atividade mais lucrativa fora do serviço público – na PGR, seu salário era de R$ 29,8 mil. Enquanto orientava a JBS na delação, foi convidado a dirigir a área anticorrupção da empresa. A conversa não prosperou. Acabou contratado para receber R$ 110 mil no escritório de advocacia que negociava o acordo de leniência da JBS. Foi demitido quando o caso veio à tona.

Pela conversa, fica evidente que Joesley e Saud usaram os serviços de Miller enquanto ele ainda era funcionário da PGR, de onde se desligou em 5 de abril (desde 5 de março, estava em férias). Só isso já basta para anular os benefícios concedidos aos delatores, como a imunidade penal que garante liberdade aos Batistas, Joesley e Wesley, e a Saud.

A investigação da atuação de Miller também põe em risco as provas recolhidas, em especial a gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu. Se ficar comprovado que Miller orientou Joesley a fazê-la, a defesa de Temer terá elementos jurídicos para tentar derrubar a principal prova contra ele.

“Ricardinho, confia nimim (sic)”, diz Joesley no momento mais revelador da conversa com Saud. “É o seguinte: vamo conversano (sic) tudo. Nóis vamo tocá esse negócio. Nóis vamo saí lá na frente. Nóis vamo saí amigo de tudo mundo. E nóis não vamo sê preso. Ponto. E nóis vamo salvá a empresa.”

Na conversa, Joesley, tenta explicar a Saud que via a Carne Fraca apenas como uma espécie de cortina de fumaça para fazer pressão sobre a JBS e forçá-los a fechar a delação. Não haveria risco de serem atingidos. “Janot falô: põe pressão pra eles entregá tudo, dá pânico neles, mas não mexe co’eles”, diz Joesley.

O lance seguinte, para Joesley, era aproximar-se de Janot, sem que desse na vista. O canal para isso era Miller. “O Marcelo tá tão afinado com a gente”, diz Joesley. “Nóis dois temo que operá o Marcelo direitinho pra chegá no Janot.” A certa altura, ele confessa seu objetivo: “Nóis vamo sê amigo deles, vamo virá funcionário desse Janot”.

O plano de Cebolinha de Joesley incluía entregar à PGR, além de políticos, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para isso, fala em usar o ex-ministro José Eduardo Cardozo, do PT. “[Tem] cinco do Supremo na mão dele”, diz Saud. “O Zé vai entregá o Supremo (…). E nóis vamo botá tudo na conta do Zé.” Nada disso foi provado ou sequer dito na delação.

Para Janot, não há saída honrosa da situação. Se sabia das atividades paralelas de Miller, prevaricou ao denunciá-las apenas na última segunda-feira. Se não sabia, revela ter sido inepto na gestão, deixando um “agente duplo” operar em seu time. Tudo isso, agravado pela pressa de fechar a delação com a JBS para pegar o maior dos troféus, o presidente Temer.

As trapalhadas de Janot e Joesley não tornam Temer inocente. Ele deveria no mínimo ser investigado por ter indicado a Joesley um intermediário que recebeu R$ 500 mil em propinas numa mala de dinheiro. Mas há diferença entre o crime em si e as provas do crime. O dever de quem denuncia é oferecer provas juridicamente sólidas. Desde o início, a controvérsia cerca as apresentadas por Janot.

Joesley e os demais delatores estão em situação dificílima. Num comunicado patético emitido ontem, eles afirmam: “O que falamos não é verdade, pedimos as mais sinceras desculpas por este ato desrespeitoso e vergonhoso”. Eles deverão prestar depoimento na próxima sexta-feira. É altíssima a chance de rescisão do acordo de delação. E o profeta Joesley poderá se revelar mais um charlatão a proferir seus vaticínios atrás das grades.

Hélio Gurovitz