segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Em carta, Janot diz que não irá transmitir cargo para Dodge

18/09/2017

Em carta datada deste domingo (17), no último dia à frente da Procuradoria Geral da República (PGR), Rodrigo Janot revelou que não irá, "por motivos protocolares", transmitir o cargo a sua sucessora, Raquel Dodge, que tomará posse e o substituirá nesta segunda (18) como nova responsável pela chefia do Ministério Público Federal (MPF).


"Por motivos protocolares, não poderei transmitir o cargo a minha sucessora, mas desejo-lhe sorte e sobretudo energia para os anos que virão. Que a nova PGR encontre alegria mesmo diante das adversidades e que seja firme frente aos desafios”, afirma Janot no texto enviado a todos os servidores do órgão.

Primeira mulher a comandar a Procuradoria Geral da República, Dodge tomará posse em cerimônica marcada para as 8 horas desta segunda-feira (18), na sede da PGR em Brasília.

"De meu ofício de Subprocurador-Geral perante o STJ estarei torcendo pelo sucesso da gestão 2017-2019, pois o êxito da colega Raquel Dodge será a vitória de todos nós”, completa ele nas quartas páginas do documento.

Na carta, Janot afirma ainda que é preciso colocar o país a serviço de todos os brasileiros e não apenas da “parcela de larápios egoístas e escroques ousados” que, segundo ele, ainda ocupam cargos importantes no governo.

“O Brasil é nosso! Precisamos acreditar nessa ideia e trabalhar incessantemente para retomar os rumos deste país, colocando-o a serviço de todos os brasileiros, e não apenas da parcela de larápios egoístas e escroques ousados que, infelizmente, ainda ocupam vistosos cargos em nossa República”, disse Janot.

“Espero que a semente plantada germine, frutifique e que esse trabalho coletivo de combate à corrupção sirva como inspiração para a atual e futuras gerações de brasileiros honrados e honestos”, afirma ele.

Na carta, Janot ressalta que foi eleito o primeiro da lista tríplice para o cargo de procurador-geral, pleito organizado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “Construí, com um grupo de colegas, o projeto que foi submetido, em 2013, ao crivo da lista tríplice. Os membros do MPF confiaram em mim e nas ideias de inovação que minhas propostas representavam. Fui então o primeiro da lista tríplice”.

Opositora de Janot, Raquel Dodge, que assume o cargo, ficou em segundo lugar, tendo 34 votos a menos que Nicolau Dino, o primeiro da lista. Dino é aliado de Janot e ocupou cargo importante na sua gestão. Foi a primeira vez que o segundo da lista foi escolhido para o cargo pelo presidente da República. Desde 2003, quando a lista foi organizada pela ANPR, a ordem da lista foi respeitada.

Como mostrou o Blog ao fim da votação, Dodge tem perfil técnico e ganhou destaque na Operação Caixa de Pandora, que investigou o "Mensalão do DEM" e prendeu o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

Janot inicia a carta citando a conhecida frase “há algo de podre no Reino da Dinamarca”, de Hamlet, quando o país europeu, segundo historiadores, vivia uma crise ética e moral devido à corrupção. Segundo o agora ex-procurador-geral, “poderia ser o Brasil deste século”.

Janot foi homenageado na sexta-feira (15), último dia últil dele à frente do órgão, sendo aplaudido por cinco minutos em evento fechado no qual apresentou um balanço de sua gestão. Na ocasião, ele que é o último dos "tuiuiús", grupo que comandou o MPF por 14 anos, chorou.

Leia a íntegra da carta enviada por Janot:

Colegas procuradores e procuradoras,

Colegas servidores e servidoras,


"Há algo de podre no Reino da Dinamarca" é uma das frases célebres em Hamlet. Segundo Amanda Mabillard, profunda conhecedora da obra de Shakespeare, a Dinamarca apodrecia com a corrupção moral e política.


Poderia ser o Brasil deste século. Há duzentos anos, os dragões da Independência, que formam o 1º Regimento de Cavalaria de Guardas, são protetores de símbolos e princípios. São sentinelas da
democracia. Foi um alferes deste regimento que entregou ao Marechal Deodoro o cavalo baio 6, que ele montava ao extinguir o Império e proclamar a República. Os dragões guarnecem as instalações da Presidência da República e não podem descansar durante sua guarda.


O Ministério Público tampouco pode esmorecer, enquanto a Constituição lhe cobra serviço; é também um guardião da República.


Este 17 de setembro marca o fim de uma sentinela de quatro anos. Hoje encerra-se oficialmente meu mandato à frente da Procuradoria-Geral da República. Tenho pouco a acrescentar a tudo que já foi dito ao longo dessa jornada.


Estivemos todos alertas, pelo Brasil, por suas leis e por sua Constituição. Ao fim desses dois mandatos que me foram outorgados pelos meus pares, entrego-lhes um Ministério Público diferente do que o que recebi dos meus antecessores. Trabalhamos intensamente para melhorias.


Temos mais estruturas institucionais, mais membros, mais servidores, mais atribuições, mais prestígio no Brasil e no exterior. Tais avanços estão retratados nos vários relatórios de gestão publicados pelas diversas secretarias e assessorias da PGR nos últimos dias.


Resta-me tão-somente agradecer a todos vocês que, de variadas formas, ajudaram-me a chegar aqui. Os críticos alertaram-me dos perigos e ajudaram-me a desviar do abismo da soberba; os incentivadores lançaram luz na estrada e aplainaram caminhos, tornando a jornada mais leve e suave.


Foram quatro anos intensos. Abracei o projeto de chefiar essa instituição não pelo simples propósito de
coroar minha carreira de 33 anos como membro do Ministério Público, mas principalmente pela certeza de que poderia e deveria colocar minha experiência a serviço do País. Construí, com um grupo de colegas, o projeto que foi submetido, em 2013, ao crivo da lista tríplice. Os membros do MPF confiaram em mim e nas ideias de inovação que minhas propostas representavam. Fui então o primeiro da lista tríplice.


Hoje, olhando para trás, percebo o quanto mudamos nesses quatro anos de caminhada. Eu mesmo quase não me reconheço. Cheguei carregado de certezas e saio imerso em dúvidas. Estou certo apenas de que dei o melhor de mim, chegando muito além de onde achava que minhas forças permitiriam. Nas minhas decisões, nunca levei em conta conveniências pessoais ou conforto transitório. Devo ter errado mais do que imagino, mas de uma coisa me orgulho profundamente: nunca falhei por omissão, por covardia ou por acomodação. Fiz o que me pareceu certo fazer. A história dirá a medida desses acertos e erros no tempo próprio.


Espero que a semente plantada germine, frutifique e que esse trabalho coletivo de combate à corrupção sirva como inspiração para a atual e futuras gerações de brasileiros honrados e honestos. O Brasil é nosso!


Precisamos acreditar nessa ideia e trabalhar incessantemente para retomar os rumos deste país,
colocando-o a serviço de todos os brasileiros, e não apenas da parcela de larápios egoístas e escroques ousados que, infelizmente, ainda ocupam vistosos cargos em nossa República.


Agradeço profundamente a todos os membros e servidores de minha equipe, que ofereceram meses e anos de suas vidas, às vezes com sacrifícios pessoais e financeiros, para dedicar-se a uma penosa missão
republicana. Todos vocês, meus colegas, fizeram menos pesado o meu fardo. A solidão da cadeira de PGR foi menor graças à dedicação de tantas pessoas que seria impossível nominar, entre servidores da casa e contratados, terceirizados, estagiários, membros da ativa e aposentados, deste ministério público e de outros ramos.


Meu tributo de infinita gratidão a todos vocês. Hoje eu passo – como de resto todos nós passaremos –, mas o Ministério Público deve seguir altaneiro e intimorato singrando mares tormentosos, em todo o País, meus colegas, sem nunca perder a esperança e a proa do seu destino. Sinto que ainda estamos longe do nosso ideal, mas tenho convicção de que deixo o leme dessa nave em ponto mais próximo do porto seguro do que quando o assumi há um quadriênio.


O MPF de 2017 é diferente do MPF de 2013. Mas o norte e os desafios são os mesmos: a luta pelo Direito e pela Justiça, de forma incansável, de olhos abertos e prontidão constante. Por motivos protocolares, não poderei transmitir o cargo a minha sucessora, mas desejo-lhe sorte e sobretudo energia para os anos que virão. Que a nova PGR encontre alegria mesmo diante das adversidades e que seja firme frente aos desafios. De meu ofício de Subprocurador-Geral perante o STJ estarei torcendo pelo sucesso da gestão
2017-2019, pois o êxito da colega Raquel Dodge será a vitória de todos nós.


De meu posto, ainda como sentinela, seguirei a promover a agenda anticorrupção. Este não foi o mote do meu mandato. É mote do meu País.


Forte abraço!

Nenhum comentário: