RIO - Inseguros, empobrecidos, com
dificuldade de locomoção, acesso precário à saúde, à educação e a outros
serviços. A má qualidade de vida dos idosos brasileiros é uma realidade que
pode ser notada diariamente, tanto nas grandes cidades quanto na zona rural.
Mas uma pesquisa global a ser divulgada hoje, Dia Internacional do Idoso,
traduz esse quadro em números e coloca o Brasil em 58º lugar numa lista de 96
nações avaliadas, atrás mesmo de países reconhecidamente mais pobres, como
Bolívia, Equador e El Salvador.
NORUEGA ESTÁ NO TOPO
Nas primeiras posições figuram Noruega,
Suécia, Suíça, Canadá e Alemanha. Enquanto isto, o último do ranking é o
Afeganistão, seguido por Moçambique, Cisjordânia e Gaza, Malauí e Tanzânia.
Atualmente, mais de 60% das pessoas acima de 60 anos vivem em países de baixa e
média rendas; e em 2050, serão 80%.
“O índice ressalta esse descompasso
entre os avanços em termos de longevidade e um atraso nas políticas públicas
que empoderam as pessoas mais velhas”, comentou Asghar Zaidi, do Centro de
Pesquisa de Envelhecimento da Universidade de Southampton (Reino Unido), que
coordenou o estudo em parceria com a ONG HelpAge International.
O documento é o único que mede o
bem-estar dos idosos no mundo e surgiu exatamente como uma forma de avaliar e
pressionar os países na implementação de ações. Trata-se da compilação de dados
produzidos pelo Banco Mundial e pelas agências especializadas da ONU, como a
Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho
(OIT). Outra parte do trabalho leva em conta a percepção dos próprios idosos
sobre seu dia a dia. Ele mede itens como renda, saúde, seguridade social,
emprego, educação, segurança e transporte.
— O idoso tem se sentido inseguro. Os
piores índices do relatório têm a ver com a violência urbana e a falta de
acessibilidade e transporte. Ele está mais recluso, com medo de sair de casa —
comentou a gerontóloga Laura Machado, membro do conselho da HelpAge
International.
Essa insegurança faz parte da rotina da
pastora evangélica Antonia Dietz, de 67 anos, que costuma trafegar de São
Cristóvão a Copacabana.
— O transporte é horrível. Já tomei
dois tombos porque os motoristas não esperam a gente descer. Eu fico uma hora
esperando, muitas vezes eles passam por fora e não param no ponto — reclama
Antonia, que acrescenta. — E assalto, então, acontece toda hora. Eu chego em
casa todos os dias à meia-noite ou à uma da manhã, porque visito hospitais.
Minha filha fica superpreocupada. Fui assaltada uma vez, levaram todo o meu
dinheiro.
Laura Machado lembra que o Brasil
aprovou a Política Nacional do Idoso em 1994 e o Estatuto do Idoso em 2003.
Embora sejam eficientes na teoria, ela critica que, na prática, a causa foi
deixada de lado nos últimos anos.
— Depois do Estatuto do Idoso, está muito
claro que nada foi feito. Ambos os documentos ficaram esquecidos — cobrou.
Este é o segundo ano em que o relatório
é divulgado. Em 2013, o Brasil ficou na 31ª posição. A diferença ocorreu, entre
outros fatores, segundo a porta-voz da ONG, por ajustes na metodologia. Desta
vez, levou-se mais em conta a percepção dos idosos, o que foi avaliado por
entrevistas pessoais com cerca de mil brasileiros. No último ano, uma onda de
protestos levantou debates e trouxe à tona uma insatisfação generalizada na sociedade
com os serviços. Laura enfatiza que o Brasil teve a maior queda de todos os
demais países no ranking. E que outros governos vêm fazendo o seu dever de
casa, por exemplo os da América Latina:
— Alguns países não tinham uma
cobertura universal de seguridade social, como o México e o Panamá, que
avançaram nesse quesito nos últimos anos, enquanto no Brasil isso já estava
mais consolidado.
A seguridade social atinge 86% dos
idosos brasileiros, a melhor nota do país no relatório. Já a satisfação com a
segurança caiu de 51% para 28%. E, com o transporte público, 45%.
Nos outros 55% descontentes com o
serviço de mobilidade urbana estão o motorista Hélio de Almeida, de 66 anos, e
a aposentada Célia Maria Costa, de 78. Desrespeito de motoristas e dos próprios
passageiros é o ponto mais ressaltado pelos dois idosos.
— Eles acham que os idosos estão
trapaceando. A gente faz sinal, eles não param — Hélio reclama.
Para o presidente do Centro de
Longevidade Internacional e um dos embaixadores da HelpAge no país, Alexandre
Kalache, a situação dos idosos, embora ainda precária, já avançou bastante em
comparação com os vizinhos latinos, por exemplo no acesso à saúde e à
seguridade social. Por outro lado, ele concorda que há uma desigualdade grande
de países mais pobres e emergentes quando comparados aos de mais alta renda.
— Os países desenvolvidos enriqueceram
antes de envelhecer. Nós estamos envelhecendo muito mais rapidamente do que
eles no passado, mas ainda com bolsões de pobreza, até de miséria — afirma
Kalache, que exemplifica: — Os recursos públicos são disputados por uma
infinidade de demandas, desde a saúde e educação à infraestrutura e à geração
de emprego digno, que já haviam sido em grande parte atendidas quando os países
da Europa Ocidental, por exemplo, envelheceram.
ONU DÁ MAIS ATENÇÃO A ESSA POPULAÇÃO
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Ainda assim, Kalache tem uma visão
positiva sobre a nova geração de idosos no país, que, segundo ele, será bem
diferente da atual: “mais bem informada, com melhores níveis de saúde, mais
articulados e exigentes”, projeta.
Na prática, algumas mudanças já vêm
sendo forçadas no âmbito global. Ativistas e representantes de países buscam
incluir na convenção da ONU os direitos dos idosos, que ficaram de fora das
Metas do Milênio, cujo prazo de aplicação termina ano que vem. Um novo
documento, a Agenda Pós 2015, será ratificado em novembro pelo secretário geral
da ONU, Ban Ki-moon. Desta vez, as pessoas mais velhas já fazem parte do texto,
por exemplo quando se fala da necessidade de acesso a transporte, proteção
social, infraestrutura e nutrição.
— As palavras “idade” ou “idoso” não
apareciam nem na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E, há poucos meses,
não estava também no Pós-2015. Isso é um grande avanço — comemorou Laura
Machado.
O Globo
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