segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Egito dissolve Parlamento e assegura EUA de transição de poder

14/02/2011




Revolta Árabe Horas após o Conselho Supremo das Forças Armadas ter anunciado medidas concretas atendendo às demandas dos manifestantes no Egito, como a dissolução do Parlamento, a suspensão da Constituição, o Departamento de Estado dos EUA disse ter recebido do chanceler egípcio garantias de que os militares estão comprometidos com a transição de poder a um governo civil. 

De acordo com o porta-voz do Departamento de Estado americano, Philip J. Crowley, o chefe de Relações Exteriores egípcio teria enviado mensagens à chefe da diplomacia dos EUA, Hillary Clinton, que na tarde deste domingo telefonou para vários colegas em diversos países do mundo.

APTN
Funcionários retiram foto de ex-ditador Hosni Mubarak dos prédios da sede do governo egípcio no Cairo
Funcionários retiram foto de ex-ditador Hosni Mubarak dos prédios da sede do governo egípcio no Cairo     
Hillary tratou da crise no Egito com os chanceleres da Itália, Grécia, Itália, Reino Unido e União Europeia.
Crowley explicou ainda que Hillary e seu colega italiano, Franco Frattini, falaram sobre a Tunísia. Frattini disse temer que se possa repetir uma crise como a de 1997 com os refugiados chegados da Albânia ao litoral italiano, se o atual êxodo de tunisianos após as revoltas populares se unir o dos egípcios.
A Itália decretou ainda no sábado o estado de emergência para lidar com milhares de imigrantes tunisianos que nos últimos dias chegaram em barcos ilegais a ilhas da Sicília buscando refúgio.

Hillary também conversou com seu colega da Arábia Saudita, o xeque Abdala bin Zayed al Nahyan, e com o titular de Exteriores indiano, S.M. Krishna, com quem falou sobre o Egito e o reatamento do diálogo entre Índia e Paquistão, além de alguns assuntos bilaterais. 

A Irmandade Muçulmana pediu neste domingo ao Conselho Supremo das Forças Armadas que governa o Egito que aplique as medidas urgentes que foram pedidas durante a revolta popular, incluindo uma anistia política e o fim do estado de emergência, em vigor há mais de 30 anos no país. 

As declarações do principal grupo de oposição egípcio chegam horas após o Exército ter anunciado a dissolução do Parlamento, a suspensão da Constituição e um prazo de seis meses, ou até o resultado das novas eleições, para que o poder seja repassado a um governo civil democraticamente eleito.
 
CONCESSÕES
 
Mais cedo neste domingo o Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito atendeu às três principais demandas dos manifestantes da oposição ao anunciar a dissolução do Parlamento, a suspensão da Constituição e determinou que o período de transição política até a formação de um poder civil se prolongará por seis meses ou até que eleições presidencial e parlamentar. 

O esforço veio em meio a um clima de tensão na praça Tahrir, onde centenas de manifestantes permaneciam acampados até que as Forças Armadas anunciassem um prazo concreto para cumprir suas exigências --essenciais no complexo caminho rumo à democracia. 

Em mensagem divulgada pela televisão pública, o Conselho também anunciou que fica suspensa a aplicação da Constituição e confirmou que segue vigente o governo de Ahmed Shafiq até que seja nomeado um novo gabinete.

Pedro Ugarte/AFP
Soldados egípcios liberam caminho rumo à praça Tahrir, no centro do Cairo, onde muitos ainda estão acampados
Soldados egípcios liberam caminho rumo à praça Tahrir, no centro do Cairo, onde muitos ainda estão acampados  

O comunicado é assinado pelo chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas e ministro da Defesa, general Hussein Tantawi.
O período de transição até a formação de um poder civil, segundo o texto, se estenderá por seis meses "ou quando encerrarem as eleições parlamentares e presidenciais". A nota, no entanto, não estabelece quando será realizada essa votação. 

As últimas eleições parlamentares, manchadas com múltiplas denúncias de fraude, foram realizadas em novembro e dezembro passados, e as presidenciais estavam convocadas para setembro próximo. 

Em seu comunicado, o quinto divulgado desde quinta-feira passada e o terceiro desde a renúncia do presidente Hosni Mubarak, o Conselho também diz que as Forças Armadas "assumem a representação do Egito no interior e no exterior".
Com as duas câmaras do Parlamento dissolvidas, "o Conselho Supremo das Forças Armadas emitirá leis durante o período de transição", destaca o comunicado. 

Os governantes militares também anunciam a formação de um comitê para reformar alguns artigos da Constituição, mas não detalha quais, e fixará as normas para submeter essas emendas a uma consulta popular.
Da mesma forma que no comunicado anterior, a nova mensagem dos militares reitera que o Egito se compromete a realizar tratados e acordos internacionais e respeitar os vigentes. 

O comando militar explicou que tomou essas decisões de acordo com sua 'responsabilidade histórica e constitucional para proteger o país e sua segurança'.
"O Conselho observa que o verdadeiro desafio que o Egito enfrenta é conseguir o desenvolvimento por meio de um ambiente de liberdade e de reformas constitucionais para cumprir as legítimas reivindicações", assinala a nota.
 
IRMANDADE MUÇULMANA
 
A Irmandade fez um pedido formal de anistia num comunicado neste domingo, com o objetivo concreto de que o Exército liberte os manifestantes detidos durante os 18 dias de intensos protestos que levaram à renúncia do ditador Hosni Mubarak após 30 anos no poder.

O grupo também reivindica uma anistia geral para os presos políticos e o final do estado de emergência, que dá amplos poderes à polícia e às Forças Armadas, que entrou em vigor em 1981.

Além disso, pede a formação de um novo governo que defenda os princípios de "eficácia e honestidade" e seja integrado por pessoas "aceitas popularmente", assim como o julgamento de todos os suspeitos de atos de corrupção.
O grupo também reivindica que sejam aceleradas as investigações para encontrar os responsáveis pelas investidas contra manifestantes, que deixaram mais de 300 mortos e 5.000 feridos, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). 

SEM MUDANÇAS
 
Pouco antes do anúncio das Forças Armadas, o primeiro-ministro Ahmed Shafiq concedeu sua primeira entrevista coletiva desde a queda do ditador. Ele afirmou que o governo egípcio continua, na prática, seguindo o mesmo modelo da era Mubarak. 

Aparentemente tentando assegurar ao povo que tudo está sob controle, o premiê disse que os assuntos do governo continuam sendo apresentados ao Conselho Superior das Forças Armadas "como eram apresentados ao presidente da República". 


Amr Abdallah Dalsh/Reuters
Premiê egípcio, Ahmed Shafik, concede entrevista coletiva no Cairo e diz que governo continua igual na prática
Premiê egípcio, Ahmed Shafik, concede entrevista coletiva no Cairo e diz que governo continua igual na prática 
"Não há mudança na forma, método ou processo de trabalho. Os assuntos estão completamente estáveis", disse Shafiq.

Shafiq disse ainda acreditar que Mubarak continua no Egito, na cidade balneária de Sharm el Sheikh, famosa entre turistas. Ele disse ainda que o gabinete não fez nenhum pedido para congelar o dinheiro de Mubarak no exterior.

Ele afirmou ainda que os militares decidirão o papel de Omar Suleiman, vice-presidente que foi escolhido por Mubarak no mês passado. O próprio premiê foi apontado ao cargo após a reformulação do governo, em 29 de janeiro. 

TENSÃO
 
Mais cedo, na praça Tahrir, centenas de manifestantes insistiam em permanecer concentrados. "Nossa primeira reivindicação já foi cumprida, que é a retirada de Mubarak. Mas agora, para que saiamos da praça, queremos o compromisso das Forças Armadas de que responderão a nossos pedidos em um prazo de tempo determinado", disse o jovem manifestante Ahmed Shair.
Shair, que segurava o cobertor que usou para se proteger do frio durante as noites que dormiu na Tahrir nas duas últimas semanas, explicou que as principais reivindicações dos jovens que ainda estão na praça incluem a libertação de seus companheiros detidos nos últimos dias.

"Queremos também que as Forças Armadas se comprometam a não nos prender quando sairmos da praça, e por isso pedimos a anulação da Lei de Emergência", acrescentou Shair. 

A Lei de Emergência concede amplos poderes à polícia, pois permite prisões sem acusações, supostamente para crimes de terrorismo e narcotráfico. No entanto, ela foi usada para a repressão política durante o regime de Mubarak.
 
REABERTA
 
A praça Tahrir, um dos principais pontos do Cairo e de importância vital para o trânsito da cidade, foi palco dos protestos maciços iniciados em 25 de janeiro e que terminaram na sexta-feira passada com a renúncia de Mubarak do poder.
A praça foi reaberta ao trânsito a partir deste domingo, o que permite descongestionar uma das áreas mais importantes do centro da capital egípcia. Ainda assim, os manifestantes permanecem concentrados em um jardim central da praça, nas calçadas e em seus contornos.

Emilio Morenatti/AP
Egícpios posam para foto de cima de um tanque na praça Tahrir, epicentro dos protestos da oposição por 18 dias
Egícpios posam para foto de cima de um tanque na praça Tahrir, epicentro dos protestos da oposição por 18 dias

Um dos soldados destacados para organizar o trânsito, Ahmed Sobhi, disse à agência Efe que "é muito difícil anular a Lei de Emergência com a atual situação na praça". "Para nós, esta situação é caótica. Temos de primeiro organizar o trânsito e recuperar a tranquilidade para só então anular a Lei de Emergência", ressaltou. 

Sobhi tentava explicar a situação a alguns jovens manifestantes, que portavam cartazes com os dizeres 'O Exército está acima de nossas cabeças, mas onde estão nossos direitos?', 'O Exército e o povo são a mesma mão' e 'Só Alá derruba o regime'. 

Ahmed Aboul Gheit, um jovem que foi detido em 25 de janeiro e libertado dois dias depois, afirmou que outra manifestação em massa foi convocada para a próxima sexta-feira para insistir no rápido cumprimento das promessas de transição e uma agenda concreta para responder às demandas dos manifestantes. 

Folha SP

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