10/02/2011
Em São Paulo, padre fez noiva esperar no altar para ‘devolver’ atraso.
CNBB diz que multa pode ser discutida entre igrejas e dioceses.
A relação entre padres e noivas corre o risco de azedar quando há atrasos ou regras da igreja não são cumpridas. Em Apucarana, no Paraná, a cobrança de R$ 500 foi divulgada na quarta-feira (9) como sanção por desrespeito ao relógio, mas multas já são adotadas em outras cidades. Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), não há uma regra para todo país: cada padre deve avaliar a necessidade da medida com o bispo.
Mas os desgastes por causa do horário ou outras questões relativas à liturgia podem extrapolar a cobrança de multas e chegar até mesmo ao extremo de o padre proibir fotografias ou deixar a noiva esperando de propósito.
A designer Valkiria Zorsam casou-se em São Paulo, em uma manhã de sábado de abril de 2009. Por causa dos preparativos no salão, chegou quase meia hora atrasada. Antes do horário marcado para a cerimônia, o Padre José Donizetti Fiel Rolim de Oliveira circulava pela paróquia, mas não ocupou seu posto após a marcha nupcial e a noiva se posicionar ao pé do altar. “O mesmo tempo que eu atrasei, ele [padre] atrasou também. Estava na sacristia. Ele não foi de birra mesmo”, disse a noiva, que ficou esperando ao lado do noivo, de pé.
Padre Donizetti admitiu o atraso proposital e apresentou como justificativa a informação que teria sido passada por uma funcionária de que a noiva estaria, em casa, esperando uma tia chegar à igreja. A noiva contesta a afirmação e repete que a preparação do salão demorou mais que o previsto. Questionado pelo G1, o padre reconsiderou o gesto após ter sido informado sobre a versão da noiva. “Ah tá, mas não foi o que a vizinha disse”, comentou.
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Padre Donizetti lembra que esse foi um caso isolado. “O que estou fazendo agora é pedir que as noivas assinem um termo de compromisso. Se eles não estiverem, aí eu não tenho mais responsabilidade de fazer a celebração deles”, disse, ressaltando que não cobra multas.
“Existe uma cultura do atraso no casamento, a gente fica refém das noivas. Então, não é questão de perdoar ou não perdoar [o atraso]. Eu sei que é dia de festa, mas, me diga se por acaso eles vão ao cartório e chegam atrasado? Vão ter que marcar outra data. Por que a Igreja tem que tolerar tudo?”, questiona o padre.
Multas desde 2008
Em Juiz de Fora, Minas Gerais, a igreja mais procurada pelos noivos adota desde 2008 multas para atrasos superiores a 20 minutos. “Normalmente, o atraso é esperando algum padrinho. Quase sempre é por algo que não é tão importante na celebração”, diz o pároco Flávio Campos, da Igreja de Nossa Senhora da Glória. Padre Flávio diz não ter um levantamento sobre quantas pessoas já pagaram a multa de R$ 190. “A maioria chega na hora”, disse.
Um dos insatisfeitos com a cobrança é o ex-noivo e administrador Flávio Gavioli, de 26 anos. De acordo com ele, o cheque caução relativo à multa foi descontado sem justificativa. Ele afirma que o atraso na cerimônia foi provocado por uma demora na missa que antecedeu o casamento. “Consequentemente atrasou a saída do pessoal e a entrada do casamento”, afirma. Ele diz não manter ressentimentos. “Não altera nossa crença. A gente fica com receio com quem está à frente da igreja”, diz. O pároco rebate a afirmação de que houve cobrança injustificada. “O atraso não foi por culpa da igreja”, justifica.
Cestas básicas
Cestas básicas
Em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, as multas também foram adotadas. O padre Oscar Donizete Clemente, de 51 anos, da Paróquia Imaculado Coração de Maria/Santa Cruz, determinou um período de tolerância de dez minutos. Quem passa do horário previsto tem que pagar três cestas básicas que vão para famílias carentes. “Eu tive essa idéia depois de celebrar um casamento em Ribeirão Preto, numa paróquia que pedia 10 cestas básicas caso ocorresse atraso há uns cinco anos. Não tivemos mais atrasos”, explica.
Mas, nem sempre foi assim. De acordo com ele, já foi preciso realizar a cerimônia em menos de cinco minutos. “O casamento estava marcado para 18h30. Chegou todo mundo e a noiva fica rodando de carro em volta da igreja para atrasar. Quando deu 19h20 ela parou e eu disse para o noivo que não poderia celebrar o casamento, pois tinha missa 19h30. Pedi para gente fazer depois da missa. O noivo pediu para fazer mesmo assim e tive que celebrar em dois minutos. E eles ficaram muito felizes”, conta.
Multa em análise no Paraná
O padre Roberto Carrara, responsável pela Catedral de Apucarana, no interior do Paraná, quer aplicar multa de R$ 500. Para ele, é preciso lembrar os noivos que o casamento não é um evento social. “É um ato divino e religioso que interessa toda a comunidade cristã”, declarou.
Mas a medida ainda não é dada como certa. Segundo o padre, é uma proposta que deve ser estudada e tem apoio da comunidade. Caso entre em vigor, o dinheiro arrecadado vai para a conta da igreja e também poderá ser usado para pagar hora extra de funcionários.
Neste final de semana, o padre Carrara vai celebrar três casamentos e afirmou que os casais não estarão sujeitos a multa. Uma dessas cerimônias será a de Juliana e Guilherme. Se por acaso houver problemas, eles pedem compreensão do padre. "Tenha piedade de nós", brinca Guilherme. O padre Roberto Carrara garante que não existe nenhuma singularidade na medida, porque outras paróquias do estado já a aplicam.
Sem fotos
Sem fotos
Mas as reclamações envolvendo padres e noivas se referem a questões além do relógio. O casal Yohanna Caroline Dias Fernandes e Gabriel Fernandes de Lima casaram-se em 28 de agosto de 2010, na igreja São Francisco de Assis, no Gama (Distrito Federal). De acordo com ela, o padre proibiu filmagem do casamento e apenas algumas fotografias foram registradas. “Durante a cerimônia, ele disse em voz alta algo sobre não filmar e fotografar, mas eu fiquei sem entender. Eu estava nervosa”, conta. “Depois do casamento, quando eu saí da igreja, a fotógrafa me contou que meu casamento não tinha sido filmado e fotografado. Ela estava indignada”, contou a ex-noiva.
“Queríamos ter a lembrança daquele dia para mostrar para os nossos filhos e netos”, desabafa. Segundo ela, os profissionais puderam apenas fazer fotos da entrada, da troca de aliança e da saída. Procurada pelo G1, a secretaria da capela São Francisco de Assis informou que normalmente são permitidas fotografias e filmagens. “Quando o padre não gosta, aí ele não permite. Ele já chama o fotógrafo e já conversa, no dia da cerimônia, antes do início”, disse o secretário Gilvan de Oliveira. De acordo com ele, os problemas são raros porque os padres impedem a filmagem “apenas no momento do sermão”. Ele disse, ainda, que não ter tomado conhecimento de problemas relacionados ao casamento realizado em agosto.
Troca de nome
Troca de nome
A enfermeira Kênia Alves de Oliveira, de 33 anos, de Belo Horizonte, planejou o casamento durante um ano. Os problemas começaram bem antes de 30 de outubro de 2010, data do evento. Kênia conta que, no dia da entrevista com os noivos, ela e o futuro marido se atrasaram dez minutos e o padre disse que não os atenderia. Por fim, o religioso resolveu reconsiderar. “Ele falou que esperava que a gente não atrasasse no dia do casamento, que ele prezava muito o horário. Ele disse que reduziria na cerimônia o tempo de atraso”, contou.
No dia do casamento, Kênia conta que a cerimônia anterior à sua atrasou 40 minutos. Ela chegou no horário e teve que ficar esperando. “Ele [o padre] estava com uma cara que parecia que ele estava em um velório. Fez a cerimônia nos 35 minutos que ele prometeu, e com uma cara terrível. Ele me ameaçou e trocou meu nome no altar. Me chamou de Renata. Kênia e Renata, tudo a ver”, brincou.
Depois do casamento, Kênia disse que postou uma reclamação no site da igreja onde ela casou e fez uma outra reclamação na Arquidiocese de Belo Horizonte. De acordo a ex-noiva, a Arquidiocese retornou pedindo que ela ligasse de volta para explicar o problema, mas ela disse ter preferido não estender mais o problema.
Cerimônia evangélica
Os incidentes que envolvem as noivas não são exclusividade dos ritos católicos. A empresária Cinthia Bastos Marques, de 22 anos, e do construtor Jefferson Pereira, de 24 anos, casaram-se em 29 de novembro de 2009, em uma pousada em Porangaba, no interior de São Paulo. O evento estava previsto para 18h, mas começou com duas horas de atraso porque a noiva resolveu esperar a irmã. “Eu cheguei 18h15, só que a minha irmã, que era madrinha, alugou um vestido e quando foi buscar era um outro vestido maior, que não tinha como usar. Ela teve que esperar um novo vestido. Então, eu fiquei esperando em cima da charrete que eu ia entrar. Eu não queria casar sem ela”, conta.
A noiva explica que o casamento foi programado para acontecer no fim da tarde, por isso não estava previsto iluminação. “Tivemos que improvisar, nem gosto de lembrar”. Além disso, tanto o pastor quanto a orquestra começaram a pressionar após uma hora do atraso. “Meu marido me ligou dizendo para entrar. O pastor estava desistindo, mas, eu quis esperar. Teve gente que me criticou”, lembra. Segundo Marques, alguns convidados ficaram irritados e nem ficaram para a festa.
De acordo com o pastor Ramsés de Jesus Azevedo, de 43 anos, que celebrou a união do casal, atrasos convencionais são comuns. “Atraso da noiva acaba sendo chique, mas é ruim quando atrasa muito. Foi a primeira vez que teve um atraso tão grande”, afirma. Ainda segundo o pastor, devido ao atraso, o casamento foi mais curto, pois a orquestra que estava no local não conseguia ler as partituras porque estava escuro. “Eu corri para dar tempo. A orquestra acabou tocando só duas músicas”, disse.
Para a empresária um atraso de até 30 minutos da noiva é tolerado, pois faz parte da tradição do casamento. “É normal a noiva atrasar, mas não duas horas. Acho que seria justo pagar pelo atraso de 2 horas, mas nesse caso minha irmã é que teria que pagar para mim”, disse. “Eu esperei porque só tenho uma irmã e só vou casar uma vez então, eu não poderia casar sem ela. Quando ela chegou, aí sim eu casei”, explica a noiva.
G1
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