segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Bolsonaro desmonta programa de cisternas e favorece uso político de emendas

 06.12.2021


Matava-se uma galinha, alguém levava um porco. Sanfoneiros eram chamados.

A "inauguração" de uma cisterna de alvenaria nas terras de uma família de sertanejos no semiárido de Pernambuco era motivo de comemoração.

Como relatam moradores de Afrânio, município a 778 km do Recife, próximo à divisa com o Piauí, esses eventos coroavam um trabalho coletivo que também rendia recursos para pedreiros e comerciantes locais, que forneciam serviços e materiais de construção para a obra hídrica.

Representantes de associações, sindicatos rurais, ONGs e funcionários públicos envolvidos na implantação da benfeitoria participavam da celebração. Sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), porém, esse tipo de evento público vem ocorrendo cada vez menos.

A atual gestão caminha para fechar o pior ano de implantação de cisternas para populações de regiões que convivem com a seca desde 2003, quando foi lançado o programa federal sob Lula (PT).

Cisterna em alvenaria do Programa Cisternas do governo federal em propriedade rural no município de Afrânio (PE)
Cisterna em alvenaria do Programa Cisternas do governo federal em propriedade rural no município de Afrânio (PE) - Karime Xavier/Folhapress

O projeto instalou mais de 100 mil reservatórios em um único ano e se aproximava da marca geral de 1 milhão de unidades, mas agora deve ter apenas 3.000 reservatórios entregues em 2021, segundo projeção informada à Folha pelo Ministério da Cidadania.

A União chegou a ter R$ 63 milhões orçados neste ano para essa finalidade. A verba disponível caiu para R$ 32 milhões, cifra que foi quase toda levada a empenho, ou seja, etapa em que o governo reserva o valor que será desembolsado quando o serviço for entregue ou concluído.

Até agora, porém, nada foi pago. O governo Bolsonaro culpa a pandemia da Covid-19.

O Programa Cisternas já obteve reconhecimento nacional e internacional, entre eles um prêmio da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2017, o Prêmio Política para o Futuro da UNCCD (Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação).

Hoje o déficit de cisternas no semiárido é 350 mil unidades, segundo a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede de organizações da sociedade civil formada por ONGs, instituições sindicais, religiosas e de agricultores familiares.

O desmonte do programa federal impacta não apenas na quantidade de unidades entregues, mas no abandono de regras e critérios gerais para atendimento da demanda.

Na prática, o vácuo com a perda de participação e controle social por conselhos municipais e ONGs favorece o uso político da distribuição de cisternas. O caminho então se abre para o emprego de verba de emendas parlamentares para municípios escolhidos a dedo pelos congressistas.

Em seguida, com critérios para a entrega das cisternas sob responsabilidade das administrações locais, amplia-se o risco de interesses paroquiais ficarem acima das reais necessidades das famílias.

PANDEMIA PREJUDICOU INSTALAÇÃO DE CISTERNAS, DIZ GOVERNO

​Procurado pela Folha, o Ministério da Cidadania afirmou por meio de sua assessoria que a crise de saúde da Covid prejudicou a implantação de cisternas pelo país.

"A respeito da execução de metas pactuadas, o Ministério da Cidadania destaca que a retração econômica causada pela pandemia nos anos de 2020 e 2021 impactou, entre diversos outros setores, a construção civil", afirma.

"Além da escassez de material de construção disponível no mercado, as entidades executoras das tecnologias sociais de acesso à água registraram preços até 100% superiores aos praticados no período anterior à pandemia", diz a nota.

Segundo o ministério, "para acompanhar esse novo cenário, o Programa Cisternas, executado pela pasta, está atualizando o custo unitário de referência de suas tecnologias sociais e buscando recursos externos para financiar a contratação de mais reservatórios".

"De janeiro a outubro de 2021, foram entregues 2,7 mil reservatórios. A expectativa é concluir 3.000 unidades até o fim do ano", completa.



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