quinta-feira, 31 de março de 2016

Pediatra interrompe atendimento a criança porque a mãe dela é petista

31/03/2016

Uma pediatra pode deixar de atender a uma criança, que tratava havia cerca de um ano, por discordar da posição política da mãe? A pergunta foi feita ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul nesta semana.

No último dia 17, um dia após divulgação da gravação da conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff, a médica Maria Dolores Bressan mandou uma mensagem para Ariane Leitão, dizendo que estava “declinando, em caráter irrevogável, da condição de pediatra” da criança.
Ariane é suplente de vereadora em Porto Alegre pelo PT e foi secretária estadual de Políticas Públicas para Mulheres na gestão do ex-governador petista Tarso Genro (2011-2014). A médica acompanhava o bebê desde o primeiro mês de vida da criança, em consultas feitas por meio de um plano de saúde.
Não é o primeiro caso de intolerância política registrada nos últimos dias. O jornalista Juca Kfouri, colunista da Folha, foi alvo de ofensas na madrugada desta terça-feira (29), em São Paulo, por ter se posicionado contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
No caso gaúcho, a pediatra disse em mensagem que, “depois de todos os acontecimentos da semana e culminando com o de ontem (16), onde houve escárnio e deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem (representante maior do teu partido), eu estou sem a mínima condição de ser pediatra do teu filho”. A médica não quis falar com a Folha.
“Ela não quer mais ser pediatra do meu filho porque sou filiada ao PT. Isso é uma discriminação proibitiva. O direito do meu filho foi violado”, diz a mãe, que acionou o conselho regional.
Se a sindicância concluir que houve falta de ética por parte da médica, um processo será aberto. A médica pode receber uma advertência, ser suspensa por 30 dias ou ter seu exercício profissional cassado. O processo pode, ainda, ser arquivado, informou o conselho regional à reportagem.
O artigo 23, do capítulo IV, do Código de Ética do Conselho Federal de Medicina diz que o médico não pode “discriminar o paciente de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”. Mas o artigo 36, do capítulo V, prevê o abandono do paciente “ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional”.
Ariane diz que a médica, que também atendia seus sobrinhos, sempre foi profissional e que deve ter ficado muito influenciada com os fatos políticos. “No foro íntimo ela tem essa discriminação, mas publicizar e assinar? Ela quis ser cruel comigo e com meu filho”, disse a mãe.
SITUAÇÃO ‘DESCONFORTÁVEL’
O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, Paulo de Argollo, informou que a orientação da entidade é que o médico cumpra o código de ética, nos direitos e deveres, que aja conforme a sua consciência e da sua profissão.
“Se o médico se sentir desconfortável, a atitude mais honesta e leal é ser franco e dizer que prefere não atender”, observou Argollo.
Ariane conta que a médica já havia desmarcado uma consulta de retorno de seu filho. A mãe, então, remarcou para outra data. Na mensagem, a médica pediu que ela “não insistisse em marcar consultas mais”.
“Estou profundamente abalada, decepcionada e não posso de forma nenhuma passar por cima dos meus princípios”, escreveu Maria Dolores. A mãe respondeu que estava “chocada”.
Dias depois, a mãe divulgou o caso em sua página pessoal, sem citar o nome da médica, e pediu indicações de um médico que atendesse pelo mesmo plano de saúde, o Ipe (Instituto de Previdência do Estado). O plano diz não ter recebido nenhuma queixa oficial sobre o caso.
“Meu filho não tem nada a ver com os grampos do Moro, muito menos com o ‘escárnio’ que ela falou. Uma loucura total”, opina a mãe.
Folha de São Paulo

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