quinta-feira, 30 de junho de 2016

PF recolhe documentos em empresas suspeitas de cartel em ferrovia

30/06/2016

A Polícia Federal apreendeu documentos e equipamentos de informática em duas construtoras de Goiânia, que são suspeitas de integrar um cartel que fraudava licitações durante a construção da Ferrovia Norte-Sul. O material, recolhido durante a Operação Tabela Periódica, vai ser analisado para tentar encontrar provas de que as empresas combinavam preços durante a escolha das companhias responsáveis pelas obras e também o pagamento de propina.

Ao todo, a PF, em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), cumpriram 44 mandados de busca e apreensão e 14 mandados de condução coercitiva em Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Ceará, Paraná, Bahia e Espírito Santo. Em Goiânia, apenas foram recolhidos os documentos e não ninguém foi levado para prestar depoimento.
Segundo as investigações, 37 empresas participavam do cartel e atuavam em todo o país. As informações partiram de um acordo de leniência da construtora Camargo Corrêa, durante a Operação Lava Jato.
“Temos provas robustas que esse cartel começou em 2000, mas a suspeita é que atuava desde 1987. Segundo as investigações, a Valec [empresa estatal ferroviária ligada ao Ministério dos Transportes] fazia editais com exigências técnicas e sobrepreço para que só as empresas que faziam parte do cartel ganhassem”, disse o procurador da República Hélio Telho.
Em Goiânia, as empresas investigadas são a Fuad Rassi Engenharia e Sobrado Construção LTDA.
A Fuad Rassi informou por telefone ao G1 que não vai se pronunciar sobre o assunto.
G1 procurou a direção da Sobrado Construtora, mas foi informado por telefone, por um vigilante da empresa, que não havia ninguém que pudesse comentar o assunto.
Mesmo após inauguração, trecho da ferrovia Norte-Sul segue sem ser utilizado (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)PF investiga fraude em licitações da Ferrovia Norte-Sul (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
Cartel
As investigações do MPF identificaram duas fases diferentes dentro do cartel. Inicialmente, devido ao baixo investimento do Governo Federal na malha ferroviária, poucas empresas faziam parte esquema. Porém, entre 2004 e 2010, novos trechos de ferrovias passaram a ser construídas e novas empresas foram se somando ao cartel.

“No início, as próprias empresas, com o conhecimento da Valec, faziam a divisão dos trechos licitados e combinavam os valores que seriam pagos. Com o crescimento do cartel, a divisão começou a ser feita pela própria Valec”, disse Telho.
G1 entrou em contato com a Valec por e-mail e telefone, mas não obteve resposta até a publicação dessa reportagem.
Segundo o MPF, as empresas combinavam quem ganharia e qual o valor ela cobraria. Com isso, as outras empresas faziam “ofertas de cobertura”, que eram valores acima da média, garantindo que apenas a empresa escolhida para administrar aquele trecho ganhasse a licitação.
“Algumas empresas maiores e mais antigas no cartel tinha privilégios na hora de combinar a divisão dos trechos. Eles tinham prioridade para escolher ou recusar trechos licitados, preferindo pontos que eram próximos a trechos que eles já tinham ganhado, para facilitar a operação, por exemplo”, completou o procurador.
Investigações apontam fraude em licitações da Ferrovia Norte-Sul, em Goiás (Foto: Vitor Santana/G1)PF e MPF apuram formação de cartel para licitações de ferrovia (Foto: Vitor Santana/G1)
Acordo de leniência
As investigações da Operação Tabela Periódica começaram após um acordo de leniência da construtora Camargo Corrêa. Segundo o superintendente geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Eduardo Frade, a empresa confirmou a existência do cartel e ofereceu provas para os investigadores, como registros telefônicos e trocas de email que apontam a negociação de quem iria vencer cada licitação.

“Isso causa um efeito nefasto, porque não havia competição pública entre as empresas, o que encarece as obras. Isso reflete em um gasto maior para os cofres públicos e, consequentemente, afeta o bolso da população”, explicou.
Se ficar comprovado o envolvimento das empresas, elas podem receber uma punição no valor de 20% do faturamento da empresa, além de multa. Já as companhias que fazem o acordo de leniência podem ficar isentas da multa e ter alguns benefícios no âmbito criminal.

Denúncia
No último dia 15 de maio, o MPF ofereceu denúncia contra oito pessoas suspeitas de envolvimento na operação O Recebedor, deflagrada em fevereiro deste ano, que investiga formação de cartel e outras irregularidades na construção das ferrovias.

Os crimes atribuídos aos envolvidos são prática de cartel, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraudes em licitação. Em valores corrigidos, os desvios podem ter chegado a mais de R$ 600 milhões, somente em Goiás, entre 2006 e 2011. O MPF-GO pede na Justiça o ressarcimento do montante.

O procurador da República, Hélio Telho, afirmou na época que oito empreiteiras eram investigadas na operação. Ele disse que as empresas simulavam concorrência em um processo de licitação que já estava definido. Isso é considerado crime de cartel.

"Várias empresas fazem um acordo para anular a competição, para combinar os preços dos lotes da ferrovia cedidos para as vencedoras das licitações. Os editais eram direcionados e restringiam outras empresas para que apenas aquele grupo tivesse condições de participar. As empreiteiras apresentavam um preço que tinha uma concorrência de faz de conta", afirmou o procurador em maio deste ano.
A investigação apontou que José Francisco das Neves – conhecido como Juquinha – ex-presidente da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias (estatal ligada ao Ministério dos Transportes), recebeu R$ 2,2 milhões de propina. O procurador afirmou que não há indícios de que ele tenha iniciado o esquema, mas foi recrutado para participar.
"O cartel existe antes do Juquinha. Não é possível dizer que ele era o chefe. O que se observou é que ele foi cooptado pelo esquema que pagou propina para ele. O Juquinha teve papel importante na expansão, quando formava os consórcios e era decidida qual empresa ficaria com qual lote”, disse.
Na operação O Recebedor, já foram instauradas dez ações judiciais e 37 processos contra pessoas físicas e jurídicas envolvidas. Mais de R$ 136 milhões foram bloqueados para ressarcimento ao erário.

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