26/05/2017
O acordo de
delação premiada do grupo J&F, feito pelos donos da JBS, Joesley e Wesley
Batista, e outros cinco delatores, prevê imunidade total aos irmãos. Eles não
vão responder criminalmente pelo esquema de propinas que revelaram a
procuradores da República e terão dez anos para pagar uma multa de R$ 225 milhões,
termos que têm sido classificados como muito benéficos em comparação aos que
foram acordados com outros delatores da Operação Lava Jato.
Segundo
especialistas, os benefícios concedidos a quem delata seus pares num esquema
criminoso dependem de critérios previstos em lei, mas também da análise de cada
caso pelos procuradores das forças tarefas envolvidos em operações que já
abrangem Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília.
Quanto melhor a
colaboração, mais benefícios o réu obtém, como redução da pena, substituição
por penas restritivas de direitos e, em alguns casos, o perdão da punição. A lei indica vários critérios para atenuar as penas dos
delatores, entre eles:
·
a recuperação
total ou parcial do dinheiro desviado
·
revelação da
estrutura hierárquica e da divisão das tarefas da organização criminosa
·
gravidade dos
crimes cometidos
·
tempo que
demorou para delatar
·
se foi o
primeiro a delatar o esquema
·
repercussão
social do crime cometido
·
personalidade do
delator
Na Operação Lava
Jato, a aplicação de um ou mais desses critérios tem resultado em benefícios
diferentes aos delatores. O MPF avalia quais deles podem ser usados e se a
delação será efetiva, ou seja, terá o poder de ajudar nas investigações. Se
sim, ela pode ser feita até depois de uma sentença. O delator também deve falar
espontaneamente, ou seja, não pode ser forçado a revelar nada. Depois a delação
ainda precisa ser homologada pelo Judiciário, que avalia se tudo foi feito
conforme a lei. Se o delator mentir ou as informações não forem úteis ou
confirmadas, a delação pode ser desfeita e seus benefícios, cassados.
No caso dos
donos da JBS, a delação de um esquema de propina que envolvia pagamentos a mais de 1,8 mil
políticos em todo o país, incluindo ainda gravação de conversa com o presidente
da República, Michel Temer, e o senador Aécio Neves (PSDB), foi
considerada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, relevante o
suficiente para conceder o perdão judicial aos irmãos, a promessa de não
oferecimento de denúncias relativas aos crimes revelados e ainda proteção
policial caso precisassem.
O acordo em
muito difere do estabelecido anteriormente com Marcelo Odebrecht, ex-presidente
da empreiteira. Marcelo, que chegou a criticar quem dedura, foi preso
em junho de 2015, mas só aceitou fazer delação após a descoberta de um
departamento de propina na empresa pela Operação Lava Jato. A delação do grupo foi homologada em janeiro deste
ano, prevendo a redução de suas eventuais penas para dez anos. Até agora, ele
foi condenado em apenas um processo, a 19 anos e 4 meses de prisão, dos quais
cumprirá os primeiros dois anos e meio em regime fechado.
Ainda assim, a
pena é mais dura em comparação com delatores que colaboraram no início das
investigações. A maioria deles passou a cumprir regime domiciliar assim que
fechou o acordo. Marcelo ainda deverá cumprir mais de um ano de regime fechado.
A redução na pena só foi possível, segundo procuradores, por causa da
abrangência das revelações da apelidada "delação do fim do mundo" (veja
tudo sobre a delação da Odebrecht).
Outros delatores
Otávio Marques
de Azevedo, ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, foi solto antes
mesmo da homologação de sua delação. Ele teve a pena semelhante à de Marcelo
Odebrecht, de 18 anos no regime fechado, que foi reduzida para um ano de prisão domiciliar com tornozeleira, dez meses de regime semiaberto
diferenciado e entre dois e cinco anos de regime aberto diferenciado.
Paulo Roberto
Costa, ex-diretor da estatal, foi condenado a cumprir ao menos 70 anos de
prisão, mas sua pena máxima foi negociada para um máximo de três anos em
domiciliar. Ele foi o primeiro delator do esquema de corrupção na Petrobras.
Cumpriu um ano de prisão domiciliar e já tirou a tornozeleira eletrônica.
Alberto Youssef,
que assinou a delação após Costa e cujas penas somadas superam os 120 anos,
teve um benefício maior. Com um máximo de três anos preso, ele pôde progredir
diretamente ao regime aberto e continua apenas com a tornozeleira.
O ex-senador
Delcídio do Amaral teve a pena reduzida para um ano de semiaberto domiciliar e
o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró obteve pena máxima de um ano, cinco
meses e nove dias em regime fechado e já está com tornozeleira de monitoramento
eletrônico.
Segundo
reportagem da "Folha de S.Paulo", o acordo com delatores da Odebrecht
também é o único com uma cláusula de cumprimento imediato da pena após a
homologação dos acordos, ou seja, aqueles que não tenham sido condenados já
poderão ser presos mesmo sem sentença. Do total de 77 delatores, apenas cinco
foram condenados. O conteúdo das delações permanece sob sigilo.
Delatores e suas penas*
·
Marcelo Odebrecht - 19 anos e 4 meses de prisão - Acordo prevê máxima
de dez anos, sendo dois anos e meio em regime fechado (permanece preso);
·
Otávio Marques Azevedo - 18 anos de prisão - Cumpre no máximo um ano em
prisão domiciliar (permanece em domiciliar);
·
Alberto Youssef -
penas somam 122 anos - Máximo três anos, com progressão diretamente para o
regime aberto, sem passar pelo semiaberto (está em regime aberto diferenciado,
com tornozeleira);
·
Delcídio do Amaral -
15 anos de prisão - Cumpre um ano e seis meses de semiaberto domiciliar mais
seis meses de serviços à comunidade;
·
Nestor Cerveró - 24 anos de prisão - Cumpre um ano, cinco meses e
nove dias em regime fechado (está com tornozeleira);
·
Paulo Roberto Costa - penas de 75 anos de prisão - Máxima de três anos
em domiciliar (está em regime aberto).
*As penas ainda podem mudar, já que há processos em andamento. Os
acordos também prevêem outras sanções, como devolução do dinheiro e pagamento
de multas
Benefícios excessivos?
A
Procuradoria-Geral da República justificou que o acordo com os irmãos Batista
levou em conta não só a gravidade do esquema revelado, como também a
apresentação espontânea dos delatores. Segundo a PGR, Joesley Batista colocou a
vida em risco ao participar das chamadas ações controladas, ou seja, gravou as
conversas que teve com políticos e negociou a entrega de malas de dinheiro. A
delação da JBS foi considerada eficiente: para os investigadores, os delatores
entregaram provas contundentes sobre crimes que estavam em andamento.
"É
evidente que, se fosse possível, jamais celebraríamos acordos de colaboração
com nenhum criminoso. No campo plasmável da vontade, desejamos o rigor máximo
para todos os que transgridem os limites da lei penal, sem concessões. Mas,
desafortunadamente, o caminho tradicional para aplicação da lei penal tem-se
mostrado ineficaz e instrumento de impunidade" (Rodrigo Janot,
procurador-geral da República, em artigo no jornal 'Folha de S.Paulo')
Já para o
Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd), o acordo foi excessivamente
benéfico, inclusive se comparado aos anteriormente feitos na Lava Jato. “Essa
homologação foi contrária de tudo que vinha sendo visto na Lava Jato, dando
benesses aos envolvidos”, afirma Roberto Parentoni, presidente do Ibradd, ao G1. O instituto entrou com um mandado de segurança no STF
para cassar o acordo. “Quer dizer que vou falar para meus filhos
que roubar vale a pena?”, questiona.
O instituto
critica ainda o possível uso de informações privilegiadas pelo frigorífico em
negociações de dólar futuro e ações e afirma que a empresa se recusou a pagar
os R$ 11 bilhões de multa requerida pelo Ministério Público em acordo de
leniência. A Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) abriu sete processos para investigar a conduta,
que pode configurar crime financeiro. Já as negociações sobre a leniência, que
é a delação feita no âmbito de empresa, continuam.
Segundo o
especialista em direito penal e professor do Centro Preparatório Jurídico
(CPJUR), Leonardo Pantaleão, não basta o acordo ser endossado pelo Ministério
Público para ter validade. Ele precisa ser homologado pelo Judiciário, o que
ocorreu no caso da JBS. “O que tem criado um desconforto é que a gente acabou
estabelecendo um critério de responsabilidade criminosa às avessas. O criminoso
que praticou a maior quantidade de crimes ficou com a menor pena. Fica
desproporcional se for comparar em relação a outras pessoas que se valeram do
instituto da colaboração premiada”, considera.
Para Pantaleão,
“como não existem regras muito objetivas relacionadas a um parâmetro de acordo,
isso fica num juízo muito subjetivo e acaba muitas vezes possibilitando com que
a gente se depare com algo do gênero”. “Como avaliar se a JBS colaborou mais
que a Odebrecht? Acaba com aquela sensação de que o crime compensa. Tenho que
praticar coisas muito grandes porque depois eu entro como colaborador e fico
sem qualquer sequela.”
"Como
não existem regras muito objetivas relacionadas a um parâmetro de acordo, isso
fica num juízo muito subjetivo e acaba muitas vezes possibilitando com que a
gente se depare com algo do gênero" (Leonardo Pantaleão, especialista em
direito penal e professor do Centro Preparatório Jurídico)
Para Walter
Bittar, doutor em ciências criminais e professor da PUC do Paraná, autor de um
livro sobre delação premiada, “o prêmio está excessivo, está desproporcional,
não é razoável”. Na opinião do professor, a lei mais atual sobre as
colaborações, de 2013, não prevê quais os benefícios podem ser dados ao
delator, o que permite uma interpretação “muito extensiva”. “Extremamente
benéfica ao ponto de que a mim me dá a possibilidade de criminalidade de risco
calculado”, avalia. “Não é que a delação é ruim, mas ela não pode servir com
essa generosidade toda.”
O advogado
Guilherme Dorta, especialista em direito penal, também considera que a
legislação é subjetiva. “Não teve prisão efetiva, foi muito brando sim”, diz
ele sobre o acordo da JBS. “Teve um desvio de bilhões, essa multa não é nada.
Saíram completamente ilesos. O acordo foi muito desproporcional em relação aos
outros, que devolveram valores proporcionalmente bem maiores e muitos
continuaram presos”, complementa.
Em artigo para o
jornal "Folha de S.Paulo", o procurador-geral da República rebate as
críticas: "Os cidadãos honestos deste país devem se perguntar: se tantos
críticos tinham o mapa do caminho, a solução perfeita forjada em suas mentes
utopistas que solucionaria sem custos o descalabro econômico, moral e político
para o qual fomos arrastados, por que não o apresentaram?"
"Quando
acreditávamos que nada mais poderia ser desnudado em termos de corrupção, esse
acordo demonstrou que três anos de intenso trabalho não foram suficientes para
intimidar um sistema político ultrapassado e rapineiro. Autoridades em altos
cargos continuavam a corromper, e ainda se deixavam ser corrompidos, sem
receios ou pudor. Isso, no entanto, pareceu de pouca gravidade para
alguns", afirma Janot.
O G1 enviou ao MPF do Paraná um e-mail questionando se
os acordos de delação no âmbito da força tarefa da Lava Jato têm sido
excessivamente benéficos. Em resposta, a assessoria de imprensa do órgão
informa que o art. 4º da Lei 12.850 (Lei de Organizações Criminosas) prevê,
inclusive, a perdão total nos acordos.
Segundo o artigo
mencionado, “o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou
substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”.
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