25.03.2020
O presidente Jair Bolsonaro ainda não completou meio mandato no Palácio do Planalto, mas já perdeu alguns de seus aliados mais fieis e importantes da época das eleições. Na contramão de especialistas e líderes do resto do mundo, Bolsonaro tem tratado a pandemia do coronavírus com desdém e chegou a pedir que o País "voltasse à normalidade", criticando as quarentenas impostas por estados e municípios. A atitude do presidente voltou a causar desconforto com antigos e atuais aliados, escancarando o isolamento de Bolsonaro e da chamada "ala ideológica" do governo.
Foto: Presidência da República / Divulgação / Estadão Conteúdo
Ala ideógica e filhos dão o tom do goveno
Foto: Divulgação/Família Bolsonaro / Estadão Conteúdo
Desde a campanha, o bolsonarismo se dividiu em algumas alas, como militares, técnicos, evangélicos e liberais. Nenhum desses grupos, no entanto, tem tanto poder sobre o discurso do presidente do que a chamada "ala ideológica", que tem como "guru" o filósofo ultraconservardor Olavo de Carvalho, de quem Carlos e Eduardo Bolsonaro são seguidores fiéis.
Além de conseguir emplacar ministros e secretários dentro do governo, a ala é a grande responsável pela maior parte das brigas internas do governo. Foi assim na queda do então ministro Gustavo Bebianno, que perdeu o emprego após discutir com Carlos Bolsonaro. Foram os mesmo ideólogos que causaram uma guerra dentro do Ministério da Educação, que culminou com a queda do ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez.
Carlos e Eduardo, que também integram o chamado "gabinete do ódio", responsável por posicionamentos do presidente Bolsonaro nas redes sociais e até por alguns pronunciamentos, como o da última terça-feira (24) no qual o presidente voltou a desdenhar do coronavírus, são apontados por interlocutores do governo com os responsáveis pelos posicionamentos mais ríspidos do pai, além de também serem acusados de alimentar um sentimeno de "paranoia" no presidente, que demonstra dificuldade para confiar no trabalho de seus subordinados.
Centrão tenta o diálogo, mas encontra portas fechadas
Foto: Reuters
Desde o início do governo Bolsonaro, os partidos considerados de "centro", comandados por DEM e MDB, deixaram claro que, apesar de não se considerarem base aliada, iriam trabalhar ao lado do governo em prol da agenda de reformas e da melhora da economia. Foi a com a ajuda dessas siglas que o poder executvio conseguiu, apesar de algumas dificuldades, aprovar a reforma da Previdência.
Nessa época, os presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia e do Senado, Davi Alcolumbre, reclamaram da falta de foco do Poder Executivo, que tentava votar a qualquer custo o chamado "pacote anticrime" elaborado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Desde então, Bolsonaro passou a trocar farpas com os líderes do Congresso, e colocou o Legislativo como grande culpado pela lenditão na aprovação dos projetos.
Durante todo o governo, a relação de amor e ódio do presidente com Maia e Alcolumbre teve muitos altos e baixos, quase sempre com os congressistas recuando diante das declarações mais duras do presidente, que, ao ouvir ministros mais técnicos como Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni, também arrefecia as brigas em prol do andamento das reformas.
No entanto, a questão do coronavírus reacendeu o desentendimento e tanto Alcolumbre, que está infectado pelo vírus, quanto Maia criticaram Bolsonaro. O presidente do Senado pediu uma "liderança séria" do capitão da reserva, enquanto o da Câmara clamou por "paz" para atravessar a crise.
STF e Congresso viram alvos da verborragia bolsonarista
Foto: José Cruz/Agência Brasil / Estadão Conteúdo
Ainda antes da explosão da crise do coronavírus, a briga entre Bolsonaro e o Congresso era por uma fatia do orçamento impositivo. Durante essa discussão, o governo resolveu adotar uma velha tática da campanha de 2018, apostando em um discurso anti-sistema e na antagonização da política. Convocados pelos eleitores mais fies de Bolsonaro e apoiados pelo presidente, os atos de 15 de março tinham como objetivo "apoiar o governo".
O que se viu, no entanto, foram críticas pesadas ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal, outro alvo do bolsonarismo, que considera o Judiciário "leniente" com a corrupção. Entre os manifestantes, não era difícil encontrar pessoas pedindo o fechamento de dois dos três poderes que compõe a democracia brasileira e intervenção das Forças Armadas.
Esse posicionamento bélico de Bolsonaro em relação ao demais poderes abalou ainda mais a relação do presidente com Judiciário e Legislativo. Por conta da crise do coronavírus, Dias Toffoli, presidente do Supremo, chegou a falar em uma entrevista ao lado de Bolsonaro e até elogiou algumas medidas do presidente. Ao final de seu discurso, no entanto, elogiou o bom trabalho da imprensa em meio à pandemia, em uma clara alfineta a Bolsonaro, que insiste no discurso de que a mídia é culpada por uma suposta "histeria" em torno da doença.
Rota de colisão com governadores
Foto: Fátima Meira / Futura Press
Grandes beneficiados pela "onda" do bolsonarismo nas últimas eleições, os governadores de Rio de Janeiro e São Paulo, Wilson Witzel e João Doria, eram duas figuras alinhadas ao presidente. Witzel, do PSL, era colega de partido de Bolsonaro, enquanto o tucano Doria ignorou todas as regras impostas pela sua sigla, que preferiu não apoiar ninguém no segundo turno, para se aproximar do então candidado à presidência.
No entanto, por acreditar que os dois governadores estariam planejando concorrer contra ele nas próximas eleições, Bolsonaro passou a se afastar da dupla. Além disso, frases do presidente exaltando a ditadura militar viraram motivo de crítica por parte de Doria.
Agora, por conta da pandemia, os governadores mostraram que romperam de vez com o governo federal, criticando duramente as medidas de Bolsonaro. Doria chamou o presidente de irresponsável, enquanto Witzel afirmou que espera que presidente "governe".
Também antigo aliado de Bolsonaro, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, foi mais um a anunciar o rompimento total com o presidente. "Não existe diálogo com esse senhor", disse Caiado, que também é médico. O governador ainda chamou o presidente de ignorante.
Com isso, Bolsonaro fica ainda mais isolado perante os estados. Muitos governadores, em especial da região Nordeste, são de partidos de oposição e já eram contra o presidente.
Racha no PSL culminou na saída de Bolsonaro do partido
Foto: Reuters
Bolsonaro também queimou pontes dentro do partido que o elegeu. Após se afastar dos governadores João Doria, de São Paulo e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, o presidente rachou sua base ao meio ao declarar guerra ao presidente do PSL, Luciano Bivar. Ex-líder do governo no Congresso, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) foi uma das que acabou rompendo com o governo, perdendo o cargo no processo.
Após a ebulição da crise, Bolsonaro, acompanhado pelo filho mais velho, Flávio, optou por deixar a legenda para fundar a sua própria sigla, que vai se chamar Aliança pelo Brasil. É esperado que pelo menos 30 parlamentares do PSL e de outros partidos da base aliada acompanhem o presidente. O PSL sozinho emplacou 52 deputados na Câmara Federal nas últimas eleições.
Alexandre Frota também deixou a sigla, rumo ao PSDB, mas nomes que seguiram no PSL se tornaram oposição ao governo. Além de Joice, uma das principais personagens da CPI das Fake News, que investiga o disparo de notícias falsas pela campanha bolsonarista, outros nomes de peso como Major Olímpio e Janaína Paschoal também se tornaram críticos de Bolsonaro. A advogada, inclusive, já chegou a pedir o afastamento do presidente. Todos esses ex-aliados criticaram a postura de Bolsonaro com a pandemia.
Militares seguem na base, mas estão incomodados
Considerada a ala mais rebelde e, curiosamente, mais progressista do governo Bolsonaro, os militares entraram em rota de colisão com a ala ideológica desde o início do governo. Em junho de 2019, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz foi exonerado da Secretaria Geral da Presidência da República. Ele foi o terceiro ministro demitido pelo presidente e, assim como nos casos de Bebianno e Vélez, a saída também teve relação com a ala ideológica.
Crítico ferrenho de Olavo de Carvalho, Santos Cruz trocou farpas com o filósofo através da imprensa e das redes sociais. O militar também se indispôs com Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente. A exoneração de Santos Cruz nunca teve um motivo oficializado pela base do governo, mas o general já reclamou publicamente do modo como saída foi conduzida.
Diversas atitudes de Bolsonaro já sofreram críticas dentro da ala militar, que ainda se mantém fiel ao governo e uma das poucas que ainda consegue fazer o presidente mudar de opinião. No entanto, o desgaste é claro e, no mesmo dia que Bolsonaro fez o pronunciamento minimizando o coronavírus, o comandante-geral do Exército enviou uma orientação a todas as tropas chamando a pandemia de "crise mais importante da nossa geração".
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