19.09.2025
Em entrevista ao Jornal da Fórum, o professor de direito constitucional Eduardo Appio comentou a movimentação da direita e do Centrão no Congresso que levou à aprovação da urgência do projeto de lei da anistia na noite desta quarta (17) após a aprovação da PEC da Blindagem ou "Bandidagem" em apenas 24h do dia anterior, um ato impulsionado somente pela quantidade de deputados e sem qualquer respaldo ético, constitucional ou racional.
Na avaliação do professor, a ampla defesa da anistia na Câmara não passa de um indulto disfarçado. “Ela pode até ter o nome de anistia, mas ela na prática tem endereço certo, tem endereço e CPF certos. Ela visa beneficiar um determinado grupo de pessoas e visa derrogar o princípio da separação dos poderes do Estado. Quem julga é o judiciário, quem legisla é o legislativo”, declarou.
A proposta que ressurge com força justamente no pós-condenação de Bolsonaro e militares por tentativa de golpe de Estado como motivo disfarçado para parlamentares ligados ao ex-presidente se livrarem de investigações por emendas parlamentares pelo STF e outros crimes "seguramente não sobrevive a nenhum debate acadêmico clínico nas universidades", segundo Appio.
"É um projeto que já nasce com signo, já nasce com o o defeito, o pior dentre os defeitos de uma lei que é a inconstitucionalidade. Ele atenta contra a Constituição e atenta, claramente, contra o princípio da separação dos poderes"
O professor afirma que a separação dos poderes torna a proposta insustentável. “O judiciário olha para o passado e atua sobre fatos já ocorridos, o legislativo para o futuro. Então, não é possível, evidentemente, pensarmos numa anistia com caráter individualizador, especialmente naqueles casos que já foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal, ou que estão com julgamento em curso”, explicou.
'Subverte princípio da separação entre poderes'
Ele citou como exemplo o processo dos chamados “Kids Pretos”, acusados de planejar o assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. Para o professor, “não é possível que o legislativo atue concedendo indultos específicos para as pessoas que estiveram envolvidas nesses crimes, porque isso seria subverter, seria derrogar a separação entre os poderes."
A crise institucional brasileira é herança de processos ainda mal resolvidos, como a anistia concedida no regime militar e o ciclo de golpes políticos vivenciados pelo país, embora a Corte tenha dado um passo histórico contra isso, segundo ele. “Nós ainda não conseguimos fazer as pazes com a nossa história, seja com relação ao golpe militar de 64, seja com a prisão política de Lula antes das eleições de 2018. Nós ainda temos uma grande ferida aberta que não cicatriza porque não se vivencia o espírito verdadeiramente constitucional”, destacou Appio.
O jurista ressaltou ainda a responsabilidade do ex-presidente na escalada de violência e na disseminação do ódio em diversas frentes, levando debate público à polarização, hoje puxada por seus "aliados", como Nikolas Ferreira (PL-MG) que já arquitetou mais um movimento de ódio após o assassinato de Carhlie Kirk, e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos, que articula contra ministros do STF e o próprio Brasil.
“Quem instaurou uma tsunami de ódio no Brasil seguramente foi o grupo liderado por Jair Bolsonaro, que foi tido pelo ministro Alexandre de Moraes como líder de organização criminosa”, afirmou.
O professor lembrou episódios recentes de ataques a ministros e suas famílias. “Semana passada aqui em Curitiba, a filha do ministro Fachin foi atacada. Eu nunca vi uma filha de um ministro do Supremo Tribunal Federal ser [alvo de ameaça]. Hoje, então, nós vivemos todos sobre o império da ameaça e do medo”, disse.
Apesar do clima de tensão, o jurista reforçou a importância das instituições resistirem às provocações para preservar a democracia. “Se nós deixarmos e varrermos para debaixo do tapete o que aconteceu no 8 de janeiro, esses atos de terrorismo, nós vamos estar incentivando e permitindo que qualquer prefeito do interior, qualquer presidente de Câmara, reúna o seu grupo político e vá para frente do fórum tentar emparedar o juiz, ameaçar e eventualmente até matar”, alertou.
'Interferências de Trump vão se intensificar em 2026'
Além disso, o Congresso tenta tornar o Brasil uma "república das bananas" diante dos Estados Unidos, enquanto Lula enfrenta o presidente republicano à altura. Segundo Appio, Donald Trump representa hoje uma ameaça à democracia mundial e deve interferir diretamente nas eleições brasileiras de 2026, mesmo que não haja muitas chances de ele conseguir um candidato por aqui em razão do tarifaço.
“Donald Trump não vai medir esforços para interferir diretamente nas eleições do ano que vem aqui no Brasil. Isto não é uma teoria da conspiração, é uma constatação. São medidas de clara interferência que nunca nós, no Brasil, em qualquer país civilizado, nós poderíamos imaginar. Estão acontecendo e vão ser muito intensificadas no ano das eleições [...] Ele vê o Brasil como Portugal vê o Brasil em 1500".
Ele lembra dos casos não elucidados de presença de jatos americanos em território brasileiro. "Esse livre trânsito de agentes da CIA e do FBI, seja aqui em Curitiba, em outros lugares, enfim, existe uma permissividade difusa na nossa história". e por fim, completa:
"Brasil é a terra que eu amo. Vamos defender juntos essa terra. Os nossos filhos e netos vão nos agradecer"
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