quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Preferido de Bolsonaro para PGR já citou slogan de Lula e defendeu teses da esquerda

07/08/2019

BRASÍLIA
Favorito para ser o próximo chefe do Ministério Público Federal, o subprocurador da República Augusto Aras defendeu em entrevista no final de 2016 vários pontos que contrastam ou conflitam com os defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e pelo seu entorno mais ideológico.


Segundo o subprocurador, a direita radical se aproveitava de uma crescente "doutrina do medo" para fazer valer a opressão contra os mais pobres e a supressão de direitos e garantias sociais.

Aras, que já se reuniu por cinco vezes com Bolsonaro nas últimas semanas, chegou a usar, sem citar o ex-presidente, o slogan da campanha vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002.
O subprocurador-geral da República Augusto Aras em sua casa, em Brasília
O subprocurador-geral da República Augusto Aras em sua casa, em Brasília - 12.abr.2019 - Pedro Ladeira/Folhapress
"Nós vivenciamos um momento difícil em que a sociedade brasileira, através da doutrina do medo, pede uma doutrina que reduz direitos sociais em troca de uma suposta segurança. Segurança essa que quem dá são os poderosos", disse Aras.

"E nós não podemos ter uma sociedade estável, em desenvolvimento constante, em conformidade com suas próprias peculiaridades se nós não compreendermos que direitos e garantias fundamentais, direitos sociais por nós conquistados durante os últimos dois milênios, não podem ceder ao medo", continuou.

"Agora, mais do que nunca, a esperança precisa vencer o medo, porque o medo está nos conduzindo a renunciar a todos os direitos sociais que nós conquistamos a duras penas", afirmou o subprocurador no encerramento da entrevista ao programa "Câmara Comenta" , da TV Câmara de Salvador, em 2016.

Em suas palavras, essa doutrina ajudou na eleição de Donald Trump e era usada pela direita radical para tentar suprimir direitos e garantias dos mais pobres.

"Hoje vivemos cercado por medo. (...) Essa doutrina do medo vai ao encontro de uma certa posição política internacional, que através do medo estabelece o ódio, o rancor, o ressentimento, e com isso, induz o cidadão a ter uma impressão de que a lei e a ordem (...) possam resolver seus problemas, já que o pobre na periferia é quem mais sofre a violência, não só do bandido como de eventualmente de segmentos até da polícia."

"Isso é relevante dizer porque quem mais aprova a pena de morte no Brasil são as pessoas pobres, as pessoas sofridas, porque elas já vivem a pena de morte sem existir formalmente uma norma prevendo a pena de morte. E essa política do medo tem consequências desastrosas, que é o crescimento de toda (...) uma doutrina de direita, uma direita radical, em que a lei é feita pelos opressores para que os oprimidos venham a cumpri-la."

PERFIL CONSERVADOR

Defensores da indicação de Aras por Bolsonaro têm divulgado que o subprocurador apresenta um perfil conservador, mas na entrevista de cerca de 40 minutos, ele defendeu várias teses alinhadas à esquerda, especialmente a defesa das minorias e a afirmação de que são os mais pobres os maiores alvos de abuso de autoridade.

"Quem sofre o maior abuso de autoridade é a comunidade pobre da periferia. É a comunidade negra, é a mulher, é a comunidade sem representação política. (...) Essas minorias, ou maiorias não representadas [mulheres], que são as maiores vítimas. Então quando é que alguém que mora em uma zona nobre, que tem um padrão econômico elevado, que é autoridade, sofre abuso de autoridade?", questionou Aras.

"Sofre sim, pode vir sofrendo inclusive nas últimas operações [não se refere a quais]. Mas quem sofre no cotidiano a dor de uma prisão ilegal, a humilhação, um tapa na cara sem nenhuma razão de ser, só porque é um cidadão que vai passando acidentalmente num momento infeliz, é o pobre, é o desprotegido, é aquele que não tem ninguém por si, a não ser Deus no céu e por testemunha."

Bolsonaro defendeu em toda a sua carreira política a livre ação de policiais nas ruas, classificando de "coitadismo" e de defesa do bandido, entre outros termos, as reclamações de defensores de direitos humanos contra abuso de autoridade por parte de policiais.

Recentemente, inclusive, afirmou defender que a polícia tenha respaldo jurídico e legal para agir e matar criminosos nas ruas "como baratas".

De acordo com aliados, Bolsonaro tem vinculado a escolha para a sucessão de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República à escolha de um nome que não tenha vinculação com a esquerda ou com a defesa de minorias e que não adote postura de enfrentamento com o Poder Executivo.

Na entrevista dada em 2016, Aras criticou ainda a tortura e ditadores populistas que conquistaram o poder como "salvadores da pátria" ou "mitos", que é como simpatizantes de Bolsonaro se referem ao presidente.

"Todas as ditaduras populistas que conhecemos, especialmente na primeira metade do século 20, resultaram da mitificação. O salvador da pátria, o salvador da nação, o salvador do povo. Então, Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha, Franco na Espanha, Salazar em Portugal, Lênin e Stálin na União Soviética, todos fizeram revoluções populistas, ditaduras populistas que em nada diferem dos efeitos de outras ditaduras não populistas."

CRÍTICAS À LAVA JATO

Aras também fez críticas à Operação Lava Jato e ao instituto da delação premiada —dois temas estritamente relacionados ao atual ministro da Justiça, Sergio Moro.

Apesar de elogiar os fins alcançados e dizer que o Brasil deveria ter desde 1500 uma Lava Jato, Aras criticou meios usados pela operação que tem em Moro seu principal nome.

"Se formos admitir na contemporaneidade essa máxima de Maquiavel [se refere à expressão de que os fins justificam os meios] nós temos que admitir que a tortura e o pau de arara e outros meios indignos de tratamento do ser humano, por mais culpado que ele seja, possa a vir a ser legítimo, o que não é verdade. De maneira que devemos ter certas preocupações. (...) Meios empregados que estão, muitos deles, começando a criar um regime de cerceamento das liberdades públicas", afirmou.
Sobre as delações, um dos principais instrumentos usados pela Lava Jato, ele afirmou que em muitos casos elas serviram a interesses espúrios e ilegítimos.

"O importante é que o sistema de Justiça, o Ministério Público estejam atentos, porque muitas vezes, e nós sabemos de casos concretos, em que autoridades do Judiciário, autoridades do Ministério Público, autoridades policiais [não cita casos específicos] procuraram usar esses colaboradores processuais para atingir fins espúrios, ilícitos, imorais. Conseguiram determinadas delações para satisfação de caprichos próprios, para atingir adversários", afirmou.

E acrescentou: "Evidente que sempre há interesse político porque a política é da nossa natureza. Eu não sou político partidário e muitos colegas que estão na Lava Jato certamente não são também. Mas não podemos afastar a possibilidade de que segmentos explorem a Lava Jato politicamente, partidariamente."

Segundo revelou a coluna Painel, da Folha, Moro não vê com bons olhos a indicação de Aras.

Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (7) que pretende anunciar até a próxima segunda (12) o nome escolhido por ele para o comando da Procuradoria-Geral da República.

Em entrevista na entrada do Palácio do Alvorada, ele disse que o nome de Aras "está no radar". O mandato de Dodge acaba em setembro.

"Eu acredito que no máximo segunda-feira [12], até para dar tempo dele conversar com senadores e fazer a sabatina de modo que quando a senhora Raquel Dodge sair, ou caso ela seja reconduzida, tudo esteja resolvido", disse o presidente nesta quarta.

Aras foi apresentado a Bolsonaro pelo ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), que liderou no passado a bancada da bala e é amigo do presidente. Ele ganhou a simpatia de Bolsonaro quando abriu diálogo com o governo federal para evitar que fosse suspensa a concessão da Ferrovia Norte-Sul, assinada na semana passada.

“Ele [Aras] é um bom nome que pensa no progresso e no desenvolvimento do país. E quer ajudar o Brasil a se desenvolver”, disse Fraga à Folha.

Procurado por meio de sua assessoria no início da tarde desta quarta (7), o subprocurador não se manifestou até a publicação desta reportagem.


O QUE DISSE ARAS EM 2016 E O QUE PENSA O BOLSONARISMO


Doutrina do medo
Aras: "Hoje vivemos cercado por medo. (...) Essa doutrina do medo vai ao encontro de uma certa posição política internacional, que através do medo estabelece o ódio, o rancor, o ressentimento, e com isso, induz o cidadão a ter uma impressão de que a lei e a ordem (...) possam resolver seus problemas, já que o pobre na periferia é quem mais sofre a violência, não só do bandido como de eventualmente de segmentos até da polícia."

Bolsonarismo: O presidente e seus aliados defendem uma política de ampliação do acesso às armas e adotam discurso contrário aos grupos defensores de direitos humanos, apontados como eles como defensores de bandidos.

Abuso de autoridade
Aras: "Quem sofre o maior abuso de autoridade é a comunidade pobre da periferia. É a comunidade negra, é a mulher, é a comunidade sem representação política. Embora a mulher seja a maioria da população brasileira, ainda não tem uma representação política adequada. E esses abusos de autoridade são essas comunidades, essas minorias, ou maiorias não representadas, que são as maiores vítimas."

Bolsonarismo: É a favor de dar amparo legal e jurídico para que policiais possam matar criminosos sem o risco de responderem por eventuais abusos.

Lava Jato
Aras: "Se formos admitir na contemporaneidade essa máxima de Maquiavel [se refere à expressão de que os fins justificam os meios] nós temos que admitir que a tortura e o pau de arara e outros meios indignos de tratamento do ser humano, por mais culpado que ele seja, possa a vir a ser legítimo, o que não é verdade."

Bolsonarismo: Defende a Lava Jato, tendo convidado para ministro da Justiça o principal nome ligado a ela, Sergio Moro. A Lava Jato também já foi objeto de manifestações de rua feitas por bolsonaristas em sua defesa.

Delações premiadas
Aras: "A delação premiada por si só não é uma prova sagrada, uma prova absoluta. (...) Evidente que sempre há interesse político porque a política é da nossa natureza. Eu não sou político partidário e muitos colegas que estão na Lava Jato certamente não são também. Mas não podemos afastar a possibilidade de que segmentos explorem a Lava Jato politicamente, partidariamente."
Bolsonarismo: Defende as delações premiadas.

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