24/10/2011
Em 15 anos, o número de jovens com até 19 anos que engravidaram caiu proporcionalmente no país. Em 1994, 504 mil crianças e adolescentes tiveram filhos, contra 574 mil em 2009. Nesse período, o crescimento no número de gravidez juvenil foi de 13%, pouco mais da metade do aumento da população dos 15 anos, que chegou a 24%.
Mas os dados apresentaram diferenças regionais significativas. Enquanto Sul, Sudeste e Centro-Oeste comemoraram uma redução absoluta nos números, Norte e Nordeste apresentaram uma alta de 58% e 55%, respectivamente, bem acima do aumento populacional. Segundo dados do DataSus, de cada cem grávidas no país em 2009, 19,9% eram crianças ou adolescentes –contra 19,8%, 15 anos antes. Já no Nordeste, essa média passou de 21,9% para 22,9%.
E é no Nordeste que os números apontam que a gravidez na adolescência caminha lado a lado com a prostituição às margens das rodovias, em especial a BR-101, a mais movimentada da região. O UOL Notícias analisou os dados de todos os municípios nordestinos cortados pela rodovia, que liga as capitais de seis dos nove Estados da região –BA, SE, AL, PE, PB e RN. Em mais de 80% dos casos, esses municípios apresentaram índices de gravidez na adolescência maiores que a média do respectivo Estado. O problema ainda é mais grave nas cidades das divisas e naquelas consideradas dormitórios.
No final de 2010, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) publicou um estudo onde identificou 1.820 pontos de prostituição de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras. Desses, a maioria –545 ao todo– estava no Nordeste. Por questões estratégicas, a PRF não informou os locais com principais focos de atuação dos criminosos.
Os dados da exploração infanto-juvenil nas rodovias também são apontados por outra pesquisa, do Instituto Childrood. A pesquisa "O perfil do caminhoneiro" apontou que, entre 2005 e 2010, houve queda no número de adultos que se disseram envolvidos com a exploração sexual de crianças e adolescentes. Mesmo assim, 17,9% dos caminhoneiros entrevistados naquele período admitiram que já saíram com crianças e adolescentes. Mais uma vez, o Nordeste é apontado como região preocupante. "As regiões Nordeste e Norte do país continuam sendo as mais citadas pelos caminhoneiros como locais onde há predomínio de crianças e adolescentes sendo explorados", diz o estudo.
Dados pelos Estados
São muitos os municípios às margens da BR-101 com números que chamam a atenção pela diferença na comparação com dados regionais. Um exemplo é Xexéu, no extremo sul de Pernambuco. A cidade, que faz divisa com Alagoas, é ponto de parada fiscal de caminhões e, em 2008, registrou a maior média de gravidez de todo o Estado, com índice de 33,6% de grávidas com menos de 20 anos. Todas as demais cidades que são cortadas pela BR, com exceção daquelas na região metropolitana do Recife, apresentam índices superiores à média estadual, que fica em 22,2%.
Na Bahia, onde a BR-101 tem início vinda do Sudeste, 15 cidades cortadas pela BR têm médias superiores a 25%, bem acima do registrado no Estado –21,9%. Em Itapebi, cidade no entroncamento da BR-101 com a BA-275, por exemplo, o índice de gravidez na adolescência chega 34,9% do total de mulheres. Já em Teolândia, cortada pelas BRs 101 e 420, o índice é ainda maior: 35% das grávidas eram crianças ou adolescentes. As cidades de Buerarema, Ubaitaba, Itabela, Itamaraju, Itajuípe e Ubaitaba também apresentaram índices superiores a 30% de gestantes com menos de 20 anos.
Deixando a Bahia, chega-se a Sergipe, que também não foge à regra e, apesar de ser o menor Estado do país, também tem suas cidades nas divisas com índices acima da média. Em Cristianópolis, na entrada sul do Estado, o índice de gravidez na adolescência chega a 26% do total. Já na saída norte, a cidade de Propriá registra um dos mais altos índices do Estado: 30,1%.
A situação de Alagoas não é diferente. O Estado possui um índice de gravidez na adolescência de 23,8%, o maior entre os seis Estados cortados pela rodovia, mas as cidades apresentam médias bem acima. É o caso de Pilar, considerada cidade "dormitório", e que fica num entroncamento de mais duas rodovias: BR 316 e AL 210. O município, que é um dos cinco mais ricos do país, tem índice de 30,9%.
Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, os índices seguem a mesma lógica. As cidades de Canguaretama (RN), com índice de 33,2%, e Alhandra (PB), com percentual de 30,1%, são destaque no ranking da gravidez na adolescência nos respectivos Estados.
Especialistas veem relação
Especialistas consultados pelo UOL Notícias afirmaram desconhecer pesquisas que mostrem o impacto da gravidez na adolescência em cidades cortadas por rodovias de grande fluxo, mas, ao serem apresentadas aos dados colhidos pela reportagem, admitiram a possível existência de uma relação entre os fatos.
Segundo a coordenadora do Instituto Childhood, Rosana Junqueira, a prostituição infanto-juvenil ainda se caracteriza como um problema "grave" nas rodovias brasileiras. Segundo ela, apesar do aperto da fiscalização nos últimos anos, o crime é dinâmico e migra de local para despistar a atuação das autoridades.
Para Junqueira, regiões pobres e com rodovias movimentadas, como a BR-101 no Nordeste, podem agravar o problema. "Percebemos que esse tipo de crime muda de lugar e de atuação. Existem dois tipos de casos: de adolescente que procuram e de adolescentes que são aliciadas. Às vezes a jovem tem essa cultura na própria família. E existe uma tendência de esses casos ocorrerem em regiões mais pobres”, disse.
A coordenadora afirma que o papel do caminhoneiro é fundamental para tentar reduzir esses índices, por isso o instituto tem campanhas de conscientização para utilizar esses profissionais como disseminadores de informações. "Mas o poder público precisa de um enfrentamento disso de forma integrada. Não podemos subestimar essa rede. Ela é grande e anda sempre muito perde do tráfico de drogas e do roubo de carga”, afirmou.
A diretora do Instituto Kaplan, Maria Helena Vilela, afirmou que também não conhece estudos específicos que apontem para uma relação direta entre a gravidez na adolescência e a prostituição nas rodovias. Mas a especialista em Saúde Pública e Sexualidade Humana assegura que as cidades de passagem e turísticas sempre apresentam índices mais significativos.
Para Vilela, as rodovias propiciam oportunidades para que as jovens conheçam homens, normalmente sós, e assim iniciem precocemente a vida sexual. “Pode se dizer, pela pouca maturidade que ainda se tem, que a gravidez na adolescência entre os 10 e 15 anos está relacionada com o abuso sexual. E isso acontece realmente em cidades onde os moradores têm poucas perspectivas, como essas cortadas pela BR. Não posso dizer cientificamente que é por conta da prostituição, mas deve haver uma relação direta nesses dados, sim”, disse Vilela, que coordena o projeto Vale Sonhar, que trabalha com orientação sexual de jovens em escolas do país.
O UOL Notícias entrou em contato, no início da semana, com a Polícia Rodoviária Federal, para questionar sobre fiscalização na rodovia e combate de ações à prostituição infanto-juvenil nas rodovias do Nordeste, mas até a publicação desta matéria não havia recebido resposta.
UOL