Os dias do cardeal italiano Tarcisio Bertone à frente da comissão encarregada de supervisionar o controvertido banco do Vaticano, o Instituto de Obras para a Religião, acabaram. Nesta quarta-feira 15, a Santa Sé informou que o papa Francisco decidiu destituir, antes do fim mandato da comissão cardinalícia, quatro dos cinco religiosos que a compunham. Além de Bertone, deixam a comissão Domenico Calcagno, também italiano, o brasileiro Odilo Pedro Scherer e o indianoTelesphore Toppo.
Apenas um cardeal, o francês Jean-Louis Tauran, continuará fazendo parte da comissão. Seus novos colegas serão o atual secretário de Estado, o italiano Pietro Parolin; o austríaco Christoph Schönborn, um dos religiosos mais respeitados da Europa; o canadense Thomas Christopher Collins; e o espanhol Santos Abril y Castelló. A nova comissão, que deve supervisionar as atividades econômicas e a situação jurídica do IOR, permanecerá no cargo por cinco anos.
A decisão de Francisco foi anunciada poucos dias antes de ser divulgado um relatório com as reformas que serão aplicadas no IOR, envolvido por anos em escândalos de lavagem de dinheiro e intrigas internas. Desde que começou seu pontificado, em março, o papa argentino fez da reforma do banco do Vaticano, acusado também de corrupção, uma de suas prioridades. A dificuldade de reformar o Vaticano, incluindo o IOR, foi aparentemente um dos motivos que fez o papa Bento XVI renunciar ao cargo em 2013.
Uma investigação da procuradoria de Roma revelada pela imprensa mostrou que, por algumas das 19 mil contas do banco, pertencentes tanto a religiosos como laicos empregados no Vaticano, transitou dinheiro de origem duvidosa. Um grupo de especialistas apresentará seu primeiro relatório no curso de uma reunião programada para fevereiro dos oito cardeais que assessoram o papa na reforma da máquina administrativa do Vaticano.
Bertone
Homem de confiança de Bento XVI por muito tempo, Bertone nunca foi unanimidade na Santa Sé. Desde sua nomeação, o secretário de Estado, em 2006, sofria oposição, especialmente do cardeal Angelo Sodano, que ocupou o cargo no pontificado de João Paulo II. Sodano se opôs abertamente à nomeação de Bertone e, por meses, se negou a liberar o escritório oficial para o seu sucessor. Bertone deu o troco ao assumir as funções executivas do Vaticano. Ele expurgou aliados de Sodano para o exterior ou os colocou em cargos de menor importância.
A nomeação também lhe rendeu outros inimigos, pois diplomatas mais experientes esperavam ganhar uma chance na secretaria. Em meio a isso, Bertone foi taxado de incompetente como administrador e na forma de lidar com casos que feriram a imagem de Bento XVI, como tensões com líderes muçulmanos em 2006.
Outras razões para a discordância apontada por opositores é que o cardeal não fala inglês ou francês, excede o limite de seus poderes e não soube responder de maneira adequada ao vazamento na mídia de documentos secretos do Vaticano. O caso, um dos maiores escândalos recentes da Igreja Católica, foi apelidado de Vatileaks. Os papeis revelaram um cenário de intrigas no interior da Igreja, lutas por poder, nepotismo de representantes da Santa Sé e do Estado em contratos, casos de corrupção e críticas a Bertone e à diretoria do banco do Vaticano, escolhida por ele. Vazaram também cartas do papa, que deram origem ao livro As Cartas Secretas de Bento XVI, do jornalista Gianluigi Nuzzi.
A revelação de documentos secretos colocou Bertone em posição delicada e mostrou raízes de corrupção no banco do Vaticano. O jornal La Repubblica afirma que Bertone boicotou diversas vezes uma reestruturação da instituição, inundada pela lavagem de dinheiro. Ele também teria blindado o banco com aliados na cúpula.
Na entidade financeira, apenas religiosos, institutos religiosos e cidadãos do Vaticano podem manter uma conta. Por outro lado, qualquer um com a autorização do correntista pode operá-la, o que virou um disfarce para máfias e outras atividades ilegais.
Segundo o jornal, os segredos dentro do banco eram tantos que nem mesmo o ex-presidente Ettore Gotti Tedeschi tinha acesso à identidade dos correntistas. O executivo queria mais transparência a fim de cumprir regras básicas da União Europeia contra lavagem de dinheiro, mas acabou demitido sumariamente em maio.
Destino parecido teve o arcebispo italiano Carlo Maria Viganò que enviou cartas ao papa em janeiro de 2012 queixando-se da corrupção no alta cúpula do Vaticano. Pela acusação, ou Bertone estava corrompido ou teria fechado os olhos para uma série de casos graves. Viganò foi vice-governador do Vaticano entre 2009 e 2011, quando tentou acabar com a corrupção. Ao levar a carta ao papa, no entanto, acabou nomeado por Bertone núncio apostólico nos Estados Unidos, um posto bem distante do Vaticano.
No fim do pontificado de Bento XVI, Bertone não era mais o homem de confiança do papa. Em um episódio polêmico, o então papa pareceu recusar o beija-mão de Bertone, escancarando a desconfiança.
Com informações da AFP
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